Sonegação presumida

por Roberto Dias Duarte

Three Wise Business MonkeysCoincidência ou não, em meio ao chamado clamor das ruas, voltou a ser alvo de debates na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) o Projeto de Lei 99/2009, do senador Cristovam Buarque (PDT-DF). De acordo com o PLS, as declarações de Imposto de Renda da Pessoa Física dos integrantes do Poder Legislativo, chefes do Executivo, ministros, bem como os membros do Judiciário e ordenadores de despesas em todos os órgãos da administração pública, obrigatoriamente deverão ser analisadas pelo critério “malha fina”.

A favor do Projeto argumenta-se que o monitoramento constante da variação patrimonial e da renda das autoridades públicas poderia antecipar a descoberta de muitas irregularidades. Uma argumentação bastante razoável, convenhamos. Pesa contra o PLS, porém, parecer aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em abril de 2010, assinado pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

Segundo o parlamentar – que já foi ministro da Fazenda – o projeto “está inquinado de vício irremovível”, pois considera os agentes públicos suspeitos a priori, configurando com isto uma situação de “indevido tratamento discriminatório”. Seria ainda uma afronta à própria Constituição Federal, que proíbe o tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente.

Já o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), em relatório recém-apresentado à CAE, tenta fortalecer o Projeto alegando que “a proposição não parte do princípio de que todo ocupante de mandato eletivo seja um infrator em potencial, mas sim da tese de que todo cidadão imbuído de tamanha responsabilidade deveria se submeter a rigores maiores por parte da fiscalização.

Enquanto isso, no Brasil produtivo, as empresas submetem-se diariamente a cerca de 1.500 declarações, demonstrações, livros, notas fiscais eletrônicas e outras exigências das administrações tributárias de União, Estados e municípios. Na prática, isso significa que todas são monitoradas dia e noite pelo Fisco. Certamente, vale a pergunta: se 8 milhões de empreendedores já estão sob o olhar atento do Big Brother Fiscal, por qual razão deveríamos excluir os agentes públicos desse monitoramento?

Com tantas obrigações tributárias de caráter fiscalizatório, há muito tempo as empresas têm presumida pelo fisco sua condição de sonegadoras. Então, por que não propor o fim de tanta burocracia tributária? Pelo menos as micro e pequenas bem que poderiam ser poupadas de boa parte das muitas obrigações acessórias que hoje têm pela frente.

Além disso, toda essa complicação representa um dos mais antigos entraves ao desenvolvimento do empreendedorismo e, por conseguinte, do próprio progresso de um país como o nosso, que urgentemente precisa voltar a crescer.

Infelizmente, o PLS 99/2009 foi rejeitado, conforme notícia da Agência Senado. Veja:

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) rejeitou o PLS 99/2009. Pelo projeto de lei, as declarações de imposto de renda de quem tem mandato eletivo seriam incluídas automaticamente na “malha fina” da Receita Federal. O autor da proposta rejeitada, por 12 votos a 3, é o senador Cristovam Buarque (PDT-DF). O texto teve relatório favorável do senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
Vários parlamentares contrários à iniciativa lembraram que outro colegiado da Casa, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), já havia apontado a inconstitucionalidade da medida. Também argumentaram que o projeto inverte o raciocínio de que as pessoas são inocentes até que se prove o contrário. Já Pedro Taques (PDT-MT), um dos poucos senadores que apoiaram Cristovam, assinalou que “aqueles que entram na vida pública precisam reconhecer que sua intimidade está relativizada”, já que os políticos têm de prestar contas à sociedade.
Entre os que votaram pela rejeição do projeto estava Francisco Dornelles (PP-RJ), que foi o relator da matéria na CCJ. No parecer que apresentou naquela comissão, ele alega que o projeto contraria o artigo 150 da Constituição, que proíbe o “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, [estando] proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”.
– Eu entendo que o parlamentar não deva ter nenhum privilégio em relação aos outros cidadãos, mas também não pode ter qualquer ônus que o diferencie de forma discriminatória – frisou Dornelles nesta terça-feira.
Além disso, Dornelles afirma que a proposta de Cristovam é politicamente perigosa, pois poderia ser transformada em um instrumento do governo contra a oposição, “que poderia utilizá-lo a qualquer hora”.
Presunção de inidoneidade
Roberto Requião (PMDB-PR) votou contra o projeto, mas ressaltou que defende o fim dos sigilos não apenas dos parlamentares, mas de todos os ordenadores de despesa que fazem parte da estrutura do Estado. Para ele, “todos têm de ser fiscalizados”, inclusive ministros do Supremo Tribunal Federal, juízes e integrantes do Ministério Público.
Requião declarou que, da forma como está a proposta, há uma discriminação contra os parlamentares “e parte-se do pressuposto de que todo sujeito que entra na política é essencialmente desonesto e tem de ser fiscalizado”.
– O projeto, não sendo universal, estabelece a presunção de inidoneidade dos parlamentares. Isso contribui para a criminalização da política e é inaceitável – protestou.
Também contrário ao projeto, Blairo Maggi (PR-MT) disse que a iniciativa “inverte a ordem normal das coisas: enquanto todos são inocentes até prova em contrário, no Congresso todos são culpados até prova em contrário”. Ele salientou que é a favor do fim de qualquer sigilo para quem entra na vida política ou possui cargo na administração pública, mas reiterou que a proposta de Cristovam “inverte a lógica ao assumir que os parlamentares são culpados e só depois vão provar que são inocentes”.
Ao responder às críticas, o autor do projeto afirmou que “só há vantagens, quando se pensa na opinião pública, em aprovar algo que pede que nossas vidas sejam fiscalizadas”. E isso, observou, é bom para todos os parlamentares, inclusive para evitar problemas mesmo quando não há qualquer má-fé por parte dos congressistas.
– Isso evita constrangimentos. E seria uma verdadeira agenda positiva – ressaltou.
Intimidade relativizada
Pedro Taques, ao apoiar Cristovam, insistiu que “o agente político, aquele que quer ter uma vida política, tem sua intimidade relativizada; não tem os mesmos direitos daqueles que não querem estar na vida pública, pois, do contrário, deveria ficar em casa”.
– Se qualquer um de nós estiver passeando com a família no domingo à noite e for abordado por um cidadão, terá de dar satisfações ao cidadão – frisou Taques.
Apesar de defender a iniciativa, Taques declarou que “isso, por si só, não resolve o problema, pois é necessária uma legislação que fortaleça a Receita Federal, para que se possa comparar o que uma pessoa recebeu durante toda a sua vida com o patrimônio e os gastos dela”.

Agência Senado em 14/8/2013