Cidadania Inadiável

por Roberto Dias Duarte

Portrait of a child with a painted flagQuando recebi meu primeiro cupom fiscal discriminando os impostos confesso que me assustei com aqueles R$ 21,43 em uma compra de R$ 112,36. Ora, já pago plano de saúde, previdência privada, pedágios, IPTU, IPVA e uma série de taxas.

Percebi as coisas muito mais como cidadão do que como profissional da área, um marido traído flagrando a carga tributária diante dos seus olhos. Tive ainda a experiência de sentir no meu bolso os efeitos reais da corrupção, da inoperância dos serviços públicos, da gastança oficial desenfreada, do descaso com quem trabalha e movimenta o País. Mais ainda: agora posso protestar de forma mais consciente com o meu voto, dizer não ao populismo e à demagogia de quem diz distribuir renda, mas naverdade usa os impostos e a inflação como um Robin Hood às avessas.

O Brasil, todos sabem, tem impostos injustos e a população mais pobre pela primeira vez pode perceber que é extorquida, ao sustentar privilégios, salários faraônicos, obras babilônicas e receber em troca serviços caóticos. Além de disso, são mal distribuídos.Cerca de 70% da carga tributária é de responsabilidade da União, 25% ficam com os estados e apenas 5% nos municípios, que diariamente mendigam recursos às outras esferas.

Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda na primeira metade dos anos 1970, publicou artigo em 1987 afirmando que “o Estado não tem poderes divinos (…), tudo o que ele pode fazer é tirar de um e dar para outro. Nesse processo, diga-se de passagem, há um custo, pois é preciso nomear pelo menos um funcionário público para operar a distribuição. Ou seja, o Estado nunca consegue tirar 100 cruzados de um rico e dar os mesmos 100 cruzados para um pobre. No meio do caminho, parte dos 100 cruzados fica com a burocracia.”

O mais grave do gigantismo estatal brasileiro é minimizar os investimentos para saúde, educação, transporte e segurança, alémde levar o governo a aumentar os impostos, ao invés de redobrar sua eficiência. Simonsen alertava sobre outro problema. O sistema tributário brasileiro não é transparente a ponto de explicitar quanto o consumidor paga para manter o Estado.

Os impostos “são cobrados em várias etapas da produção e vivem escondidos no preço que se cobrado consumidor”(…)“Sem transparências desse tipo, a democracia é uma farsa”, alertava o professor. A Lei 12.741 chega, enfim, para nos elevar de “simples” consumidores a cidadãos. Ela pode não ser perfeita, mas nosso sistema eleitoral também tem falhas e nem por isso deixamos de votar. No entanto, escancara asmazelas governamentais de forma clara, objetiva e real. Sem meias verdades ou discursos vazios, põe às claras o que hoje podemos ver nos protestos país afora.

Há quem diga que as empresas gastarão R$ 10 bilhões para se adaptar à nova exigência, porque a maioria das pequenas não usa softwares de gestão. Mas a lei admite o uso de painéis ou qualquer outro meio eletrônico ou impresso, além da demonstração de valores ou percentuais aproximados. Ou seja, nem todas as 5 milhões de empresas brasileiras precisarão de recursos eletrônicos para aderir aos novos tempos.

Aliás, a grande maioria poderá usar não mais que cartazes. Associações que contratarem serviços de entidades independentes e reconhecidas poderão até mesmo manter catálogos à disposição dos clientes, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor. Outros opositores à ideia, por sua vez, dizem que ela não foi regulamentada. Mas o Conselho Nacional de Política Fazendária e a Receita Federal, por intermédio do Ajuste 7/2013, já tomaram tal providência ao regulamentar a inserção das informações nas Notas Fiscais eletrônicas, cupons fiscais e demais documentos.

O próprio Ministério da Justiça afirmou que a responsabilidade de regulamentação seria da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Depois, informou que o tema estaria na Casa Civil da Presidência da República, que acabaria por declarar a lei clara e autossuficiente. Estranhamente, ela própria acaba de enviar ao Congresso medida provisória ampliando em um ano o prazo para a aplicação de sanções aos infratores.

Na prática, o Estado brasileiro, que se omitiu nos últimos seis meses sobre o tema, mostra-se agora disposto a deixá-lo para depois, em defesa dos pequenos empresários. Mais uma vez, ao invés de agir preventivamente, orientando e esclarecendo o contribuinte, prefere o jeito mais fácil.

Pois é, talvez seja mesmo melhor esperar a Copa. Ou ainda, quem sabe, as próximas eleições.