Difícil de engolir

por Roberto Dias Duarte

Por mais que defender algum benefício fiscal soe politicamente correto num país de tão altas carga e complexidade tributária como o nosso, certas ações aparentemente com este fim merecem um mínimo de reflexão, antes de serem colocadas na vala comum da benevolência.

É o caso do PLS nº 136/12, de autoria do senador Casildo Maldaner (PMDB/SC), que propõe a inclusão das microcervejarias e vinícolas no Simples Nacional. Na avaliação do parlamentar, “as cervejarias pequenas, praticamente artesanais, enfrentam a mesma tributação que multinacionais do setor, com faturamento de bilhões de reais.”

O benefício proposto apresenta uma argumentação interessante, sem dúvida. Ora, se as empresas menores enfrentam dificuldades para competir com grandes companhias que têm o mesmo enquadramento tributário, nada mais justo do que incluí-las no Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.

A Lei Complementar nº 123/2006, que criou este sistema, também definiu os conceitos de Microempresa (ME) e Empresa de Pequeno Porte (EPP), sendo as primeiras aquelas com receita anual igual ou inferior a trezentos e sessenta mil reais, e as segundas as que faturam até três milhões e seiscentos mil reais por ano.

O regime tributário do Simples conta hoje com cerca de 4 milhões de empresas que se beneficiam de um processo de apuração tributária menos oneroso e, em geral, uma carga tributária também menor. Para elas, o custo da conformidade tributária, acrescido dos impostos e contribuições pagos, geralmente torna-se inferior se comparado ao das empresas enquadradas em outros regimes, como o Lucro Presumido e o Lucro Real.

Cabe ressaltar, porém, que cada empresa apresenta suas peculiaridades, cabendo ao próprio empreendedor, com o apoio de profissionais especializados em planejamento tributário a decisão sobre qual seja o regime mais econômico a ser adotado. Em muitos casos, o próprio Simples Nacional não vale a pena.

Entretanto, nem todas as ME ou EPP podem optar por este regime. Há restrições, algumas sutis. Uma delas é justamente o objeto do Projeto de Lei proposto pelo senador catarinense: as produtoras ou distribuidoras de bebidas alcoólicas não podem participar do programa.

Mas também ficam de fora cerca de 1,5 milhão de empresas, dentre elas as prestadores de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural.

Todos estes “excluídos” competem com grandes empresas, vale a pena lembrar. Por isso, tento compreender o que faria das produtoras de cerveja mais importantes, em relação às ‘usinas’ de conhecimento técnico, científico, desportivo, artístico ou cultural? E os serviços de saúde e consultorias, por que seriam menos relevantes que as cervejarias?

A Constituição Federal veda à União, em seu artigo 150, “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, sendo proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”.

Ora, não é preciso ser jurista para entender que excluir atividades intelectuais – e muitas outras – do Simples é estabelecer um tratamento desigual.

Custa-me acreditar que ainda haja pessoas, em pleno Terceiro Milênio, propondo leis em benefício da produção de drogas, mesmo as chamadas lícitas, sem atentar para a geração de conhecimento, este sim, um gênero de primeira necessidade em qualquer nação que realmente pretenda evoluir.

Mesmo não sendo especialista em Brasil, certa vez Peter Drucker afirmou que pelo menos uma coisa estaria habilitado a dizer sobre nós: “não creiam que mão de obra barata ainda seja uma vantagem”. Muito menos cerveja, diria eu.