“Novo ICMS”: O AI-5 do comércio eletrônico

O Convênio ICMS 93/2015 funciona como um Ato Institucional nº 5 (AI-5) tributário.

por Roberto Dias Duarte (*)

O Convênio ICMS 93/2015 funciona como um Ato Institucional nº 5 (AI-5) tributário.
O Convênio ICMS 93/2015 funciona como um Ato Institucional nº 5 (AI-5) tributário.

Imagine que você faça parte dos 31,4% da população brasileira que sonham em ter seu próprio negócio. Sim, conforme o relatório da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), este era, em 2014, o  anseio de quase um terço dos brasileiros. Enfim, ao contrário dos 15,8% que desejam seguir carreira em uma empresa, você se juntou aos 45 milhões de pessoas que preferem empreender em nosso país.

Assim como 70,6% dos empreendedores, enxergou uma oportunidade de negócios. Sua motivação não foi a necessidade decorrente do desemprego ou coisa similar. Desta forma, criou um comércio varejista focado na venda de roupas femininas – um mercado promissor.

Fez tudo certo. Procurou o Sebrae, buscou a orientação de especialistas, elaborou o plano de negócios e pesquisou muito. Tanto trabalho foi recompensado. Afinal, você deu um tiro certo! Entendeu uma forte tendência no seu segmento.

A categoria de produtos mais vendidos em quantidade de pedidos no e-commerce brasileiro no primeiro semestre de 2015, segundo pesquisa Webshoppers, foi a de “moda e acessórios”, um mercado promissor, sem dúvida. Afinal, 17,6 milhões de pessoas fizeram pelo menos uma compra no primeiro semestre de 2015, atingindo um faturamento total de R$ 18,6 bilhões  naquele período. Resumindo, as coisas fluíram bem e a empresa cresceu.

Em janeiro de 2016 surge um fato inédito. Falam de um tal de ‘novo ICMS’.  A princípio você não dá importância, pois está no Simples. Sabe o  quanto vai pagar de impostos e não tem tantas tarefas cotidianas para atender às exigências legais. Emite as notas fiscais eletrônicas que acompanham os pedidos, recebe a guia todo mês, do seu contador, e a paga.

Mas primeiro te informam que haverá mais impostos a pagar, além do expresso na tabela do Simples. São apenas alguns percentuais a mais, dizem. Notícia ruim, mas em tempos de inflação de dois dígitos, você se planeja para repassar o novo custo de forma suave, em alguns meses. Dá para absorver parte disto, pelo menos no primeiro semestre, quando as vendas são mais fracas.

Depois vem a notícia completa. Não é só uma questão de mais impostos. Seria preciso pagar o ICMS no estado do comprador! Registrar uma inscrição em cada Unidade Federativa seria inviável! Como controlar isso? Então a opção seria gerar uma tal de Guia Nacional de Tributos Interestaduais (GNRE) e pagá-la. Fácil? Não muito, pois para cada pedido enviado, seria necessário imprimir a GNRE, pagá-la, imprimir o comprovante de pagamento e enviar nota, GNRE e comprovante junto com a mercadoria ao cliente.

“Enlouqueceram e querem me enlouquecer!” Revolta é o mínimo que se pode dizer sobre os sentimentos que lhe vem à cabeça. Mas não tem jeito. Este é o país da burocracia, onde há muita gente que ainda acha isso bonito.

Surge então outra opção. Acabar com as vendas na loja on-line. Só que não dá mais! 70% dos pedidos chegam pela Internet. Então, o que fazer? Refazendo as contas e estudando mais detalhadamente o mercado, fica claro que, assim como ocorre com os demais lojistas virtuais, 88% dos seus pedidos  se concentram nas regiões Sul e Sudeste. Ou seja, 25% dos estados  respondem por quase 90% das vendas.

Para atender 27 estados, você teria  de contratar outro funcionário só para cuidar do trabalho adicional gerado pelas GNRE. Entretanto, trabalhar com apenas sete, proporcionaria um custo bem menor.

Para sua surpresa, vários colegas donos de lojas virtuais tomaram um rumo mais radical ainda. Muitos decidiram vender só para o seu estado. E outros continuarão a vender para todo mundo, mesmo on-line. Simplesmente não emitirão notas fiscais!

Quem irá pagar essa conta? Os milhões de consumidores de produtos do comércio eletrônico; os trabalhadores demitidos das empresas que fecharão; e os consumidores das lojas físicas, em especial no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que, sem a concorrência das lojas virtuais, poderão aumentar seus preços à vontade.

Mas quem fez tamanha maluquice? O responsável é o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), composto por representantes de cada estado, Distrito Federal e governo federal.  Seu presidente é o ministro da Fazenda. Mas participam também todos os secretários de Fazenda dos estados; o da Receita Federal do Brasil e o do Tesouro Nacional (STN), além do procurador-geral da Fazenda Nacional (PGFN) e outras autoridades.

Por que isso? Em abril de 2015 tivemos a promulgação da Emenda Constitucional nº 87/2015 (EC 87/2015), que criou uma nova regra sobre a incidência do ICMS nas operações realizadas entre estados.

O ICMS tinha como regra geral o fato de ser devido no estado de origem da mercadoria. A EC 87/2015 criou um cronograma modificando a repartição do Imposto nas compras virtuais, distribuindo parte do valor arrecadado com o estado destinatário da mercadoria. O Confaz afirmou que “a mudança é uma medida de redução de desigualdades e desequilíbrio tributário entre os estados, aguardada há mais de uma década pela maioria das unidades da federação”.

O problema é que a EC 87/2015  atribui a responsabilidade pelo recolhimento ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto. Ou seja, quem vende para pessoas físicas deve recolher o tributo.

Opa lelê! Muita calma nessa hora! Mas a Lei Complementar nº 123/2006, que criou o Simples Nacional, também não deixa claro que  este regime implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação de diversos tributos como IRPJ, IPI, CSLL, Cofins, PIS/Pasep, CPP, ISS e o próprio ICMS? Uma vez recolhidos estes tributos, eles não são repassados aos estados, Distrito Federal, governo federal, INSS e municípios, no valor correspondente a cada um?

Sim! Mas as autoridades que compõem o Confaz, quando publicaram o Convênio ICMS 93/2015, optaram por não utilizar a Nota Eletrônica para gerar os dados do ICMS devido ao estado destinatário e incluir este valor no Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS).

Por que eles tomaram uma decisão diferente? Será que não pensaram nisto? É claro que  sim. Mas não o fizerem primeiramente porque os servidores públicos que compõem o Confaz fazem parte daqueles que se servem do público, ao invés de servi-lo. Trocando em miúdos, deixaram o trabalho para a população.

Em segundo lugar, porque não há liderança política neste nosso Brasilzão. Nem “presidenta” da República, nem governadores de nenhum estado ou partido apresentam capacidade de liderança para colocar nosso país em ordem. Infelizmente, nenhum deles tem coragem e competência para promover ações que reduzam a burocracia e os entraves para o nosso desenvolvimento.

O Convênio do Confaz funciona como um Ato Institucional nº 5 (AI-5) tributário. Para quem não se lembra, foi o quinto de uma série emitidos pela ditadura militar brasileira. Este Ato, de 13 de dezembro de 1968, desconsiderou a Constituição Federal vigente à época, bem como às constituições estaduais, suspendendo diversas garantias constitucionais. Além disso, ele concedia um poder extraordinário aos chefes do Executivo.

Felizmente, algumas entidades da sociedade civil ainda se posicionam  contra a ditadura da burocracia. A Ordem dos Advogados do Brasil e a Confederação Nacional do Comércio ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Adin – Ação Direta de Inconstitucionalidade, contra a medida do Confaz.

O diretor-presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Guilherme Afif Domingos, afirmou que “Os fiscos estaduais estupraram a legislação do Simples, que é uma legislação nacional, para implantar em curto prazo uma máquina de arrecadar”.

Diretor da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon) Valdir Pietrobon, classificou a situação como surreal. e ainda explicou que “além de desestimular o mercado, traz de volta um sistema antiquado de cobrança”.

Enfim, se você também faz parte dos 31,4% da população brasileira que sonham em ter seu próprio negócio ou dos 45 milhões de pessoas que empreendem em nosso país, saiba que terá  de trabalhar muito e enfrentar os interesses dos burocratas.

Tenha muito claro: a solução para o fim da ditadura da burocracia está em cada um de nós, não neles, assim como a prosperidade de nossa nação.

() Roberto Dias Duarte é sócio e presidente do Conselho de Administração da NTW Franquia Contábil, primeira  do gênero no país.