Por que a EFD-Contribuições põe em risco o projeto SPED

por Roberto Dias Duarte

Ao contrário do que muitos imaginam, o SPED não completou apenas 5 anos. Esta crença deriva da leitura do Decreto Presidencial 6.022, publicado em janeiro de 2007, que instituiu formalmente o Sistema Público de Escrituração Digital.

O texto pode ser considerado um ato político que mostra à sociedade que este sistema digital é de interesse nacional e não apenas das autoridades tributárias. Portanto, pouco acrescenta, do ponto de vista jurídico e técnico aos diversos projetos do SPED que já estavam em funcionamento naquela data.

A Nota Fiscal eletrônica (NF-e) foi criada em outubro de 2005 pelo Ajuste Sinief 07. Na prática, a NF-e surgiu a partir de uma alteração no Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais (Sinief), definido por um Convênio de 1970, assinado pelo Ministério da Fazenda e autoridades fiscais estaduais.

O Sinief representou um marco na história tributária de nosso país e foi incorporando às legislações tributárias das unidades federadas. Dentre os objetivos do sistema destacam-se:

  • a racionalização e a integração de controles e de fiscalização;
  • a implantação de um sistema básico e homogêneo de informações levará ao conhecimento, mais rápido e preciso, das estatísticas indispensáveis à formulação de políticas econômico-fiscais dos diversos níveis de governo;
  • a coleta, elaboração e distribuição de dados básicos, essenciais à implantação de uma política tributária realista;
  • unificação dos livros e documentos fiscais a serem utilizados pelos contribuintes do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto de Circulação de Mercadorias;
  • a simplificação e a harmonização de exigências legais poderão reduzir despesas decorrentes de obrigações tributárias acessórias, com reflexos favoráveis no custo da comercialização das mercadorias.

Note que qualquer semelhança não é mera coincidência com relação aos objetivos do SPED.

Mais adiante, em dezembro de 2006, o Convênio ICMS 143 instituiu a Escrituração Fiscal Digital – EFD. Entretanto, em abril de 2009, as autoridades entenderam que não seria necessário um novo Convênio e que a EFD nada mais era que uma adequação dos livros fiscais à realidade do Terceiro Milênio. Assim, revogaram tacitamente o Convênio 143 e publicaram um novo Ajuste Sinief, de número 2, em abril de 2009.

O terceiro projeto inicial do SPED, a Escrituração Contábil Digital, foi instituído pela Instrução Normativa RFB nº 787, de 19 de novembro de 2007.

Assim, dois dos principais projetos do SPED (NF-e e EFD-ICMS/IPI) têm sua fundamentação em um Convênio de 1970 e já funcionavam quando da publicação do Decreto 6.022. Ademais, a sigla SPED já era utilizada oficialmente pelas próprias autoridades fiscais.

Mesmo com adiamentos e problemas (naturais a qualquer inovação) pode-se afirmar que estes três projetos foram bem-sucedidos.

A NF-e, criada em 2005, iniciou o cronograma de obrigatoriedade em 2008. Ao final deste ano, haviam 2.500 empresas emitido o documento eletrônico; 15 mil em 2009 e 450 mil em 2010. Hoje há 770 mil, com praticamente todo setor industrial e atacadista utilizando documentos digitais.

O processo ainda não chegou ao fim. Os Estados estão fechando o ciclo da obrigatoriedade de emissão de NF-e, colocando um fim nas notas em papel. Amazonas, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte já adotaram este posicionamento. Enfim, um cronograma de 7 anos ainda não terminou.

A EFD-ICMS/IPI, criada em 2006, iniciou o cronograma de obrigatoriedade em 2009, com 30 mil empresas. As autoridades estaduais têm o período de 2010 a 2014 para incluir todos os contribuintes de ICMS e/ou IPI na EFD. A maioria das Unidades Federadas deixará os optantes pelo Simples Nacional fora deste projeto. Pelo menos até 2014. Ou seja, o cronograma de 9 anos para incluir cerca de 1,5 milhão de empresas.

O SPED Contábil, criado em 2007, teve um cronograma de 4 anos para incluir cerca de 150 mil empresas nesta escrituração digital.

E a EFD-Contribuições? Originalmente denominada EFD-PIS/Cofins, ela foi criada pela Instrução Normativa RFB nº 1.052, de 5 de julho de 2010. Alterada três vezes, duas delas por causa de adiamentos dos prazos, em março deste ano ela foi revogada pela Instrução Normativa 1.252, que substituiu a EFD-PIS/Cofins, pela a EFD-Contribuições.

A nova norma manteve os prazos da anterior, exceto para bancos, seguradoras e planos de saúde, entre outros, que obtiveram um aumento em seis meses (para janeiro de 2013) do prazo de entrega desta obrigação.

As 150 mil pessoas jurídicas sujeitas à tributação com base no Lucro Real iniciaram a obrigatoriedade com relação aos fatos geradores de janeiro de 2012, com entrega em março. Já as 1,3 milhão tributadas pelo Lucro Presumido terão início com relação aos fatos geradores de julho, com entrega em setembro.

A RFB quer incluir quase 1,5 milhão de contribuintes em um projeto de 3 anos. Mas o Brasil não é um país homogêneo em termos de infraestrutura tecnológica, humana e gerencial. Há diferenças significativas no nível de maturidade e preparo empreendedores distribuídos por nosso país.

Ademais, a legislação das contribuições é confusa, complexa e instável. Uma coletânea disponibilizada pela própria RFB, atualizada até julho de 2010, contém nada menos que 60 leis, três medidas provisórias, 60 decretos presidenciais, quatro portarias, 60 instruções normativas da RFB e 38 atos declaratórios. Já em 2011 foram publicados mais de 500 atos normativos sobre Cofins. Em 2012, pelo menos até agora, foram 43.
Certamente o número é bem maior que este, pois até a autoridade fiscal já desistiu de atualizar o documento. Há ainda uma quantidade incalculável de soluções de consulta, soluções de divergência e disputas judiciais sobre o tema.

Portanto, incluir as empresas tributadas pelo Lucro Real em 3 anos já é uma meta arrojada. Querer incluir as 1,3 milhão do Lucro Presumido, neste prazo, sem considerar a capacidade de investimento e as peculiaridades regionais é colocar em risco um projeto por demais importante para nossa nação.

Uma medida sensata e inteligente seria estabelecer um cronograma distribuído pelos próximos 4 anos, incluindo em oito etapas semestrais as empresas conforme seu faturamento. Isto seria suficiente para empreendedores e organizações contábeis enfrentarem este inevitável “choque de gestão”.

“Um bom começo é a metade”. A frase de Aristóteles aplica-se bem à situação atual do SPED. Espero que as autoridades compreendam a importância desta decisão, impedindo que o que começou bem, termine mal.