TL;DR: A verdadeira Inteligência Artificial Geral (AGI) não pode ser alcançada simplesmente conectando modelos multimodais especializados, pois essa abordagem falha em desenvolver compreensão física do mundo real. Modelos atuais como LLMs podem estar apenas manipulando padrões sintáticos sofisticados sem verdadeira compreensão semântica. A AGI real exigirá sistemas fundamentalmente integrados que desenvolvam inteligência através de experiência embodied no mundo físico.
Takeaways:
- LLMs podem estar reduzindo problemas de semântica e pragmática em mera sintaxe, criando apenas a ilusão de compreensão profunda
- A AGI requer entendimento físico do mundo que vai além da manipulação de símbolos, algo que modelos de predição de tokens não conseguem alcançar
- Conectar modelos especializados em diferentes modalidades resulta em uma “AGI Frankenstein” fragmentada, sem a integração profunda necessária para inteligência geral
- A verdadeira AGI deve emergir de sistemas que desenvolvem processamento específico de modalidade naturalmente, através de interação embodied com o ambiente
- O desafio da AGI é fundamentalmente conceitual, não matemático – precisamos repensar como organizar e integrar diferentes aspectos da inteligência em um sistema coerente
Por Que a AGI Não Pode Ser Construída com Modelos Multimodais: O Que Está Faltando na Busca pela Inteligência Artificial Geral
Você já se perguntou por que, apesar de todos os avanços em modelos de linguagem e IA multimodal, ainda estamos longe de uma verdadeira Inteligência Artificial Geral? A resposta pode estar justamente na abordagem que muitos consideram promissora.
Modelos de IA generativa convenceram alguns de que a AGI é iminente. Esses sistemas impressionam pela capacidade de gerar texto coerente, interpretar imagens e até mesmo resolver problemas complexos. No entanto, eles desafiam intuições básicas sobre inteligência e surgiram principalmente devido à escalabilidade em hardware existente, não necessariamente por representarem o caminho ideal para a inteligência geral.
A questão central é mais profunda do que parece: será que estamos construindo verdadeira inteligência ou apenas sistemas sofisticados de manipulação de padrões? Este artigo explora por que a abordagem multimodal atual pode estar nos levando por um caminho equivocado na busca pela AGI.
A Necessidade Fundamental de Compreensão Física do Mundo
Além da Manipulação de Símbolos
A AGI deve ser geral em todos os domínios, incluindo a capacidade de resolver problemas que se originam na realidade física. Isso exige uma forma de inteligência situada em um modelo do mundo físico, não apenas em representações simbólicas.
Considere esta diferença fundamental: jogar Othello pode ser feito com apenas caneta e papel, pois reside inteiramente no mundo dos símbolos. Por outro lado, varrer um chão ou dirigir um carro exige uma concepção física do mundo que vai muito além da linguagem e dos símbolos.
A AGI precisa de um entendimento físico do mundo porque muitos problemas simplesmente não podem ser convertidos em manipulação de símbolos. Quando um robô precisa navegar por um ambiente desconhecido ou manipular objetos frágeis, ele não pode depender apenas de regras linguísticas ou padrões estatísticos.
O Problema da Predição de Tokens
Apesar de modelos de linguagem refletirem um entendimento aparentemente profundo do mundo, eles podem estar apenas aprendendo heurísticas sofisticadas para prever tokens. Isso resulta em uma compreensão superficial da realidade, não em um modelo verdadeiro do mundo físico.
Modelos generativos podem ter excelente desempenho em tarefas de predição de sequência sem realmente aprender modelos dos mundos que criaram tais dados. Eles desenvolvem heurísticas poderosas, mas isso não equivale à compreensão.
O objetivo de prever o próximo token busca apenas reter informações relevantes para essa predição específica. Isso pode não resultar em um modelo do mundo verdadeiro, mas sim em um sistema otimizado para uma tarefa muito específica.
Ponto crucial: LLMs não executam simulações de física. Em vez disso, podem estar memorizando regras abstratas que governam o comportamento de símbolos – essencialmente, um modelo sofisticado de sintaxe.
Sintaxe vs. Semântica vs. Pragmática: O Dilema dos LLMs
As Três Dimensões da Compreensão Linguística
Para entender as limitações dos modelos atuais, precisamos examinar como a linguagem realmente funciona:
- Sintaxe estuda a estrutura das sentenças
- Semântica lida com o significado literal
- Pragmática interpreta a fala no contexto
A fusão dessas três habilidades cognitivas resulta na compreensão da linguagem humana. Humanos conseguem facilmente identificar frases sintaticamente corretas mas semanticamente vazias, como:
“Ideias verdes incolores dormem furiosamente”
Esta frase segue regras gramaticais perfeitas, mas é semanticamente sem sentido. Similarmente, a frase “A geladeira está dentro da maçã” demonstra uma falha semântica óbvia para humanos devido ao nosso entendimento físico do mundo.
A Redução Problemática
LLMs podem estar reduzindo problemas de semântica e pragmática em sintaxe. Isso tem implicações profundas para como vemos sua inteligência. A proficiência linguística aparente em LLMs pode derivar de mecanismos cognitivos completamente distintos dos humanos.
Enquanto a proficiência na linguagem é um proxy confiável para inteligência geral em humanos, isso não se aplica necessariamente aos LLMs. Sua habilidade linguística pode vir de processos de cognição fundamentalmente diferentes.
Revisitando a Lição Amarga de Sutton
Escala vs. Estrutura: Um Falso Dilema
A lição amarga de Sutton foi frequentemente mal interpretada como um mandato para evitar qualquer estrutura em IA. Na realidade, intuições humanas levaram a avanços cruciais em arquiteturas de redes neurais.
Considere estes exemplos de “estrutura” que revolucionaram a IA:
- CNNs fizeram uma suposição sobre invariância de translação para reconhecimento de padrões em imagens
- Transformers assumiram a importância de relacionamentos de longa distância entre símbolos através do mecanismo de atenção
- 3D Gaussian Splatting incorporou princípios de renderização 3D
Sutton argumenta que métodos que utilizam recursos computacionais superam aqueles que não utilizam. No entanto, a estrutura incorporada na resolução de problemas não necessariamente impede a IA de aprender melhores soluções.
O Desafio dos Dados de Embodiment
O sucesso dos LLMs veio da escala massiva, não necessariamente da eficiência. Eles foram treinados para imitar a forma e função de sistemas altamente otimizados, mas uma aplicação análoga do maximalismo de escala para AGI exigiria dados de embodiment que simplesmente não temos.
Não existe um corpus massivo de experiências físicas embodied comparável aos trilhões de tokens de texto disponíveis na internet.
Os Desafios Fundamentais da Abordagem Multimodal
Problemas de Arquitetura
A união atual de modalidades envolve pré-treinar módulos neurais dedicados para cada modalidade e uni-los em um espaço de embedding conjunto. Esta abordagem apresenta várias limitações críticas:
Descentralização do Significado:
- Espaços latentes multimodais não capturam todas as informações relevantes a um conceito
- Dependem de decodificadores específicos da modalidade para detalhes importantes
- O significado fica fragmentado entre diferentes componentes do sistema
Partição Artificial:
- As modalidades atuais podem não ser uma partição apropriada do espaço de observação e ação para um agente embodied
- Separamos artificialmente conexões que são profundamente integradas na cognição humana
O Problema da Cópia Conceitual
Modelos multimodais atuais treinam para copiar a estrutura conceitual humana em vez de formar conceitos novos. Eles ignoram completamente como esses conceitos foram originalmente inventados e descobertos.
A capacidade humana de formar conceitos duráveis a partir de poucos exemplos é crucial para a inteligência geral. Relações de um-para-muitos entre modalidades sugerem que um objetivo de embedding contrastivo não é adequado para capturar essa complexidade.
Alternativas Promissoras à Abordagem Multimodal
Emergência Natural vs. Imposição Artificial
Em vez de pressupor estrutura em modalidades individuais, devemos projetar um ambiente onde o processamento específico da modalidade emerja naturalmente. Esta abordagem oferece várias vantagens:
Unificação de Representações:
- Consolidar modalidades artificialmente particionadas em uma representação de dados unificada
- Incentivar redes a aprender processos inteligentes que generalizam entre modalidades
- Permitir que símbolos abstratos emerjam naturalmente da comunicação
Integração de Percepção e Ação:
- Um modelo que entende o mundo visual como humanos não deveria fazer distinção arquitetônica entre imagens e texto
- Podemos processar imagens, texto e vídeo usando o mesmo sistema de percepção
- Produzir ações para gerar texto, manipular objetos e navegar em ambientes usando o mesmo sistema de ação
Reformulação do Aprendizado
Podemos reformular o aprendizado como um processo embodied e interativo onde modalidades díspares se fundem naturalmente. Esta abordagem:
- Reintegra o máximo possível de recursos de inteligência sob o mesmo guarda-chuva
- Trata embodiment e interação com o ambiente como elementos primários
- Vê o processamento centrado em modalidades como fenômenos emergentes
As Limitações do Maximalismo de Escala
A AGI Frankenstein
O maximalismo de escala promete costurar uma AGI “Frankenstein” usando modelos gerais de domínios estreitos. No entanto, é improvável que isso resulte em uma AGI que pareça completa em sua inteligência.
Uma abordagem que simplesmente conecta diferentes modelos especializados enfrenta problemas fundamentais:
- Falta de Coerência: Diferentes módulos podem ter representações internas incompatíveis
- Ausência de Integração Profunda: Conexões superficiais entre modalidades não capturam a natureza integrada da cognição
- Limitações de Flexibilidade: Sistemas modulares tendem a ser menos adaptativos que sistemas unificados
Eficiência vs. Intencionalidade
A eficiência do processamento específico da modalidade deve ser equilibrada com a intencionalidade na união de modalidades. Eficiência em modelos de inteligência estreita resolve casos de uso comerciais, mas AGI requer flexibilidade cognitiva que pode não ser compatível com especialização extrema.
O Verdadeiro Desafio Conceitual da AGI
Além da Matemática
A descoberta de aproximadores de função universais já resolveu a peça matemática mais desafiadora do quebra-cabeça da AGI. O que resta é fundamentalmente um problema conceitual: inventariar as funções necessárias e determinar como elas devem ser organizadas em um todo coerente.
Este não é um problema matemático, mas sim um desafio de design e arquitetura. Precisamos entender:
- Quais funções cognitivas são realmente necessárias para inteligência geral
- Como essas funções devem interagir e se integrar
- Qual arquitetura permite emergência de comportamentos inteligentes complexos
O Caminho à Frente
O futuro da AGI provavelmente não está na união de modelos multimodais, mas na criação de sistemas fundamentalmente integrados que:
- Desenvolvem compreensão física do mundo através de interação embodied
- Permitem emergência natural de processamento específico de modalidade
- Integram percepção, cognição e ação em um sistema coerente
- Mantêm flexibilidade para formar novos conceitos e adaptar-se a situações inéditas
Conclusão: Repensando o Caminho para a AGI
A abordagem multimodal atual, apesar de impressionante em muitos aspectos, pode estar nos desviando do caminho para uma verdadeira AGI. A tentativa de unir modelos especializados em uma inteligência geral ignora aspectos fundamentais de como a inteligência realmente funciona.
A verdadeira AGI provavelmente emergirá de sistemas que:
- Compreendem o mundo físico através de experiência embodied
- Integram naturalmente diferentes tipos de processamento de informação
- Desenvolvem novos conceitos através de interação com o ambiente
- Mantêm coerência entre percepção, cognição e ação
O desafio não é matemático, mas conceitual. Precisamos repensar fundamentalmente como organizamos e integramos diferentes aspectos da inteligência. Apenas quando superarmos a tentação de simplesmente “colar” diferentes modelos especializados estaremos no caminho certo para uma AGI verdadeiramente geral e capaz.
A jornada para a AGI exige que abandonemos a ilusão de que mais modalidades e maior escala automaticamente resultarão em inteligência geral. Em vez disso, devemos focar na criação de sistemas fundamentalmente integrados que capturam a essência da inteligência embodied e situada no mundo físico.
Fonte: Spiegel, Benjamin A. “AGI Is Not Multimodal”. The Gradient, 2025. Disponível em: https://thegradient.pub/agi-is-not-multimodal