por Roberto Dias Duarte
“As pessoas adoram a mudança, mas detestam mudar”
Em 3 de março de 2020, retornei para o Brasil vindo de Portugal. Naquela semana os primeiros casos da Covid-19 haviam sido identificados naquele país. Viajei preocupado, mas preparado: máscara, álcool em gel, sabão, sempre contato com alimentos expostos.
Ao chegar ao Brasil, relaxei. Entrei na fase da negação. Tinha a vã esperança de que a epidemia ainda não se transformaria em pandemia. Acreditei que minha vida continuaria como antes. Que os negócios não seriam afetados.
Uma semana depois, recebendo notícias diárias de amigos europeus, fui tomado pelo pânico. A histeria tomou conta da minha razão. Cheguei ao ponto de comprar uma caixa de pacotes de macarrão e outra de latas de sardinha.
O pânico nos faz tomar decisões emocionais quase sempre erradas, ou na dose errada. Perdemos dinheiro, tempo, energia e criatividade em situações assim.
Aos poucos fui recuperando a razão e analisando os fatos. Entendi melhor os problemas e pude tomar decisões mais eficientes. Compreendi também que não há soluções fáceis, nem mágicas.
E aí, como salvar a sua empresa?
#1. Racionalize as decisões!
Para agir de forma racional trabalhe com números. Mesmo o melhor médico intensivista, em uma UTI, sem as medidas precisas, em tempo real, é ineficiente.
Por isso, monitore diariamente os sinais vitais da sua empresa e os dois primeiros são:
- Burn rate. É o saldo de caixa no dia 1º do mês anterior, menos o saldo de caixa do dia 1º do mês atual. Em outras palavras, é capital necessário por mês para que uma empresa mantenha as suas operações.
- Cash runway. De forma simplificada é o “fôlego” de caixa ou a quantidade de tempo que você pode operar com prejuízo, antes de ficar sem dinheiro. A fórmula para calcular o cash runway é:
Cash Runway = Total de Reservas / Burn Rate
Exemplo (1): você gasta R$10.000 por mês e tem R$ 60.000 no banco, você tem seis meses de cash runway.
Cash Runway = 60.000 / 10.0000
Exemplo (2): você gasta R$100.000 por mês e tem R$ 1.200.000 no banco, você tem doze meses de cash runway.
Cash Runway = 1.200.000/100.000
Exemplo (3): você gasta R$10.000 por mês e tem R$ 30.000 no banco, você tem três meses de cash runway.
Cash Runway = 30.000 / 10.000
Independentemente do tempo que a quarentena total dure em sua cidade/estado, o estrago econômico já está feito. O comportamento de consumo já mudou radicalmente e ninguém sabe quando as pessoas voltarão ao “normal”. Aliás, particularmente eu acredito em um novo padrão de normalidade no consumo (mas isso ficará para outro artigo).
O que interessa agora é você ter um cash runway alto. Quem tem 12 meses ou mais está razoavelmente bem. Entre 6 a 12 meses de cash runway é necessária a realização de ações enérgicas. Menos do que isso, será preciso tomar medidas mais drásticas.
#2. Seu novo longo prazo é um mês.
Vamos analisar quais as possíveis ações a serem tomadas, com racionalidade e monitoramento de resultados. Importante ter em mente que os resultados devem ser obtidos em uma semana.
Listo abaixo os fatores que impactam no cash runway:
2.1. Receitas (↑)
2.2. Custos operacionais (↓)
2.3. Despesas (↓)
2.3.1. Viagens (↓)
2.3.2. Administrativas (↓)
2.3.3. Marketing (↓)
2.3.4. Consultoria (↓)
2.3.5. Tecnologia (↓)
2.4. Capital de giro (↓)
2.4.1. Prazo de recebimento (↓)
2.4.2. Prazo de pagamento (↑)
2.4.3. Prazo de estocagem (↓)
2.5. Investimentos (↓)
2.5.1. Ativos tangíveis (↓)
2.5.2. Participação em outras empresas (↓)
2.6. Dívidas (*)
2.7. Pró-labore e lucros distribuídos (↓)
Em geral (claro que pode haver algum caso particular) o seu objetivo deve ser aumentar receitas e prazos de pagamento e reduzir os demais itens. Sobre as dívidas, é preciso entendê-las melhor.
#3. O que fazer primeiro?
Quem prioriza tudo, não tem tempo para nada.
Portanto, dê prioridade às ações que possam gerar mais impacto financeiro, com menos esforço e no menor prazo.
Aumentar receitas em tempos difícies é uma tarefa complexa, mas não é impossível. Em geral, há alto impacto, mas demanda grande esforço. Em alguns casos, talvez você tenha que pivotar todo seu modelo de negócios, buscando novos públicos ou ofertando novos produtos/serviços.
Reduzir custos operacionais também gera alto impacto e, da mesma forma, demanda grande esforço. Dependendo do tipo de negócio que você tem, o uso intensivo de novas tecnologias pode ser a solução. Se, e somente se, o projeto de mudança tecnológica obter payback (se pague) em um a três meses.
Reduzir despesas gera pouco impacto, mas demanda menor esforço. Contudo, há um caso especial: o sistema de gestão empresarial (ERP). O objetivo do ERP é controlar tudo o que foi citado anteriormente e fornecer os sinais vitais da empresa para se tomar decisões racionais.
A maior parte desses sistemas foi desenvolvida há muito tempo. O software ERP potente, demanda hardware e peopleware igualmente potentes. Isso faz com que o custo total de propriedade da solução seja alto. Se você conseguir um bom Cloud ERP (um sistema realmente em nuvem no modelo SaaS) que substitua 80% das funcionalidades, mas que tenha o custo total de propriedade em 20% do seu atual, o impacto financeiro poderá ser bem relevante e o esforço de substituição pequeno.
Prazos de recebimento e pagamento têm alto impacto e esforço porque dependem de negociação com clientes e fornecedores. Prazo de estocagem geram impactos moderados.
Redução de ativos tangíveis e participação em empresas, apesar de gerarem grande impacto, demandam um prazo elevado para execução. Ainda há o grande risco de subvalorização desses ativos.
Obter créditos de longo prazo neste momento, com taxas razoáveis, aumenta o cash runway. Contudo, pequenas empresas têm dificuldade de acesso a linhas mais atrativas. Parcelar tributos e renegociar dívidas podem ser boas alternativas.
Por fim, reduza seu pró-labore. Pode até ser que isto não gere um grande impacto no cash runway, mas o exemplo de austeriadade para a equipe será importante.
#4 Just do it
Faça. Analise cada uma das opções junto com a sua liderança, mas tenha velocidade no planejameto e nas ações. Controle os resultados diariamente. Você não acertará em todas as decisões. O quanto antes perceber (com números) que a decisão não foi boa, mais rapidamente você poderá corrigi-la.
Repito: faça! Esta é a diferença entre as empresas que prosperam, mesmo nas crises, daquelas que sobrevivem (ou não).