Evolução Histórica da Renda Per Capita Mundial e Ciclos de Inovação Tecnológica

Resumo Executivo

A renda média global por habitante permaneceu praticamente estagnada durante boa parte da história, mas entrou em trajetória ascendente acentuada a partir dos últimos dois séculos, impulsionada por ondas sucessivas de inovação tecnológica. Este relatório analisa como grandes revoluções tecnológicas – da Revolução Agrícola às atuais inovações em Inteligência Artificial – catalisaram saltos no PIB per capita mundial, destacando o papel crucial da produtividade e do empreendedorismo nesses processos. Observa-se que: (1) até cerca de 1800, o crescimento econômico per capita foi insignificante, com a renda média mal saindo do nível de subsistência; (2) a Revolução Industrial inaugurou um período de crescimento sustentado da renda per capita, rompendo o “trapézio malthusiano”; (3) novos ciclos tecnológicos – como a Segunda Revolução Industrial (eletricidade e motores), a Era do Petróleo e do automóvel, e a Era Digital – correlacionam-se com acelerações notáveis na renda média global, atingindo picos históricos de crescimento no pós-guerra; (4) atualmente, a difusão da Inteligência Artificial (IA) desponta como o próximo motor de produtividade, com projeções indicando potenciais ganhos adicionais de crescimento econômico global nos próximos anosweforum.orggoldmansachs.com. O relatório conclui que a inovação tecnológica, alavancada por atividade empreendedora, tem sido o vetor primário do crescimento da renda média mundial, e discute como a IA pode moldar um novo salto na prosperidade global nas próximas décadas.

Fundamentação Teórica

Crescimento econômico refere-se ao aumento sustentado do produto interno bruto (PIB) per capita ao longo do tempo – ou seja, da renda média por pessoa de uma economia. Historicamente, esse fenômeno de crescimento contínuo é recente: estimativas de Angus Maddison indicam que não houve progresso significativo na renda per capita global por muitos séculos – o nível médio em 1000 d.C. era praticamente o mesmo do ano 1, e apenas cerca de 53% superior no início do século XIX em comparação ao ano 1000. Essa longa estagnação é explicada pelo regime malthusiano: avanços tecnológicos pré-modernos tendiam a resultar em aumento populacional, não em ganhos permanentes de renda per capitahal.univ-reunion.fr. Somente a partir da Revolução Industrial é que a humanidade entrou em um regime de crescimento moderno, caracterizado por aumento contínuo da produção por pessoa.

No estudo do desenvolvimento de longo prazo, autores como Joseph Schumpeter enfatizaram o papel da inovação e do empreendedorismo como motores centrais do crescimento. Schumpeter cunhou o termo “destruição criativa” para descrever o processo pelo qual novas inovações substituem tecnologias obsoletas, impulsionando aumentos de produtividade e crescimento econômico de longo prazo. Esse processo é conduzido por empreendedores, que introduzem produtos e métodos inovadores buscando conquistar mercados, tornando a inovação “o motor do capitalismo” e catalisador do crescimento sustentado. Ao mesmo tempo, Schumpeter reconhecia que ciclos de inovação vêm acompanhados de ondas de expansão e reajuste econômico.

A literatura sobre ciclos tecnológicos – incluindo trabalhos de Carlota Perez – propõe que a era industrial pós-1800 foi marcada por grandes revoluções tecnológicas em ondas sucessivas, cada qual inaugurando um novo paradigma produtivo e um período de expansão econômica (golden ages) seguido de maturaçãoforbes.com. Perez (2002) identifica pelo menos cinco grandes surtos tecnológicos desde o final do século XVIII: i) a Revolução Industrial original (máquinas a vapor e indústria têxtil, ~1770–1830); ii) a era das ferrovias e do aço (~1830–1870); iii) a Segunda Revolução Industrial (eletricidade, química e motores de combustão, ~1870–1914); iv) a era do petróleo, automóveis e produção em massa (século XX até os anos 1970); v) a era das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) ou Era Digital (fim do século XX – início do XXI)forbes.com. Cada uma dessas revoluções foi acompanhada por saltos na produtividade e transformações socioeconômicas profundas, ainda que os ganhos econômicos plenos se materializassem ao longo de décadas conforme as inovações se difundiam e eram assimiladas pela sociedade.

Do ponto de vista teórico, o empreendedorismo produtivo desempenha papel-chave ao converter avanços científicos e invenções em inovações comercializáveis, impulsionando eficiência e criação de riqueza. Instituições econômicas – como direitos de propriedade, mercados financeiros e ambiente competitivo – influenciam a taxa de inovação e difusão tecnológica. Por exemplo, a convergência de fatores como difusão do conhecimento, proteção à propriedade intelectual, competição entre nações e desenvolvimento de instrumentos financeiros criou, no início do século XIX, um ambiente propício ao surto de crescimento industrial na Inglaterra e França. Assim, inovações tecnológicas e atividade empreendedora interagem para elevar a produtividade total dos fatores, permitindo produzir mais output por trabalhador, reduzir custos e criar novos mercados. As próximas seções examinam, à luz dessas perspectivas teóricas, os principais ciclos de inovação na história recente e suas correlações com o desempenho da renda per capita mundial.

Análise Cronológica e Comparativa dos Grandes Ciclos Tecnológicos

Visão geral histórica: Durante grande parte do segundo milênio (1000–1800), o PIB per capita global permaneceu virtualmente estacionário, com leve tendência ascendente somente no período final. A Figura 1 ilustra essa trajetória de longo prazo: a renda média global manteve-se próxima a níveis de subsistência por séculos, apresentando um “salto em forma de tacape” apenas a partir do século XIX. Esse padrão reflete a transição de uma economia agrária tradicional – caracterizada por ganhos incrementais anulados pelo crescimento populacional – para uma economia modernizada, na qual sucessivos choques tecnológicos elevaram de forma permanente a produtividade média. A seguir, analisamos cada grande ciclo de inovação, correlacionando-o com inflexões quantitativas na renda per capita mundial, com base em dados históricos e macroeconômicos comparativos.

Figura 1. PIB per capita mundial ao longo de dois milênios (1 d.C. – 2023), em dólares internacionais constantes (preços de 2021). Nota-se a longa estagnação pré-industrial e o acentuado crescimento pós-1800. Elaboração a partir de Maddison Project Database (2023) e World Bank.

Revolução Agrícola (Era Pré-Industrial até ~1700)

Revolução Agrícola representa um conjunto de melhorias tecnológicas e organizacionais na agricultura que antecederam e prepararam o caminho para a industrialização. No contexto global pós-ano 1000, ocorreram gradualmente inovações como a difusão do arado de aiveca pesado, a rotação de culturas e, mais tarde, a introdução de novos cultivos e técnicas vindas do intercâmbio colombo (Ex.: milho, batata, fertilização aprimorada). Em particular, na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII – frequentemente citada como a “Revolução Agrícola Britânica” – práticas como a rotaçonorfolk(uso de nabo e trevo no lugar do pousio) e a seleção de sementes elevaram drasticamente a produtividade agropecuáriaen.wikipedia.orgA produção agrícola passou a crescer mais rápido que a população no século XVIII, algo sem precedentes até entãoen.wikipedia.org. Como consequência, a oferta de alimentos expandiu-se e os preços relativos dos alimentos caíram, melhorando as condições de vida e liberando mão de obra do campo para outras atividadesen.wikipedia.org.

Entretanto, do ponto de vista da renda per capita global, os ganhos dessa era agrícola foram limitados. Grande parte do excedente agrícola alimentou um crescimento populacional significativo – por exemplo, a população da Inglaterra aumentou de ~5,5 milhões em 1700 para 9 milhões em 1800en.wikipedia.org – de modo que os ganhos de renda por pessoa foram modestos e localizados. Estimativas globais confirmam que, entre 1000 e 1820, o PIB per capita mundial cresceu a uma taxa média ínfima (cerca de 0,02% ao ano), resultando em apenas ~50% de aumento total em oito séculos. Em outras palavras, até o início do século XIX a renda média permaneceu próxima ao nível de subsistência, refletindo o regime malthusiano em que avanços tecnológicos agrícolas elevavam a população mas não o bem-estar médio de forma sustentadahal.univ-reunion.fr. Ainda assim, a Revolução Agrícola teve um papel fundamental como pré-condição para o crescimento moderno: ao elevar a produtividade da terra e do trabalho rural, ela acumulou excedentes e capital humano que estimularam o surgimento de atividades manufatureiras e urbanização – ingredientes essenciais para a Revolução Industrial subsequenteen.wikipedia.org.

Revolução Industrial (c. 1760–1840)

Primeira Revolução Industrial marcou a inflexão decisiva no trajeto da renda per capita global. Iniciada na segunda metade do século XVIII na Grã-Bretanha e logo difundida à Europa Ocidental e Estados Unidosen.wikipedia.orgen.wikipedia.org, a industrialização introduziu a mecanização da produção (máquinas movidas a energia hidráulica e, mais tarde, a vapor), novas técnicas metalúrgicas e a organização fabril. Pela primeira vez na história, houve crescimento econômico sustentado por décadas, rompendo a armadilha malthusianaen.wikipedia.org. A produção de bens manufaturados cresceu exponencialmente em setores pioneiros como o têxtil e siderúrgico, enquanto custos caíam drasticamente. Isso se traduziu em aumento inédito da renda e da população simultaneamente – rompendo o padrão histórico em que crescimento populacional anulava ganhos materiaisen.wikipedia.org. Economistas consideram o advento da Revolução Industrial um dos eventos econômicos mais importantes da história humana, comparável em impacto apenas à adoção da agricultura neolíticaen.wikipedia.org.

Os dados macroeconômicos evidenciam essa virada: aproximadamente a partir de 1820, observa-se uma clara aceleração no crescimento do PIB per capita mundial. A taxa média anual de crescimento global saltou para cerca de 0,5% entre 1820 e 1870 – modesta pelos padrões atuais, mas dez vezes superior à taxa virtualmente nula dos séculos anteriores. Em países pioneiros, o avanço foi mais pronunciado: no Reino Unido, por exemplo, estima-se que o PIB per capita cresceu ~40% ao longo do século XVIII e dobrou durante o século XIXvox.com, puxado pela adoção generalizada das tecnologias industriais. Esse progresso, embora inicialmente concentrado geograficamente, elevou a média global gradualmente conforme a industrialização espalhou-se. Em 1870, a renda per capita mundial já excedia em cerca de 2,5 vezes o nível de 1000 d.C., algo até então impensável.

Os ganhos econômicos da Revolução Industrial têm raízes em mecanismos de inovação e empreendedorismo bem documentados. A introdução de patentes e a proteção da propriedade intelectual incentivaram inventores; a existência de um mercado interno crescente e integrado encorajou investimentos em máquinas; e a competição europeia significou que inventores como Hargreaves (spinning jenny) e Watt (motor a vapor) achassem espaço para empreender onde seus talentos fossem mais valorizados. Adicionalmente, desenvolveu-se um setor financeiro dinâmico (ex.: Bolsas, bancos) capaz de canalizar capital para empreendimentos industriais. Esses fatores estruturais, aliados às inovações tecnológicas em si, impulsionaram a produtividade do trabalho e do capital, resultando no primeiro salto mensurável da renda média global. Em suma, a Revolução Industrial inaugurou a era do crescimento econômico moderno, trazendo crescimento contínuo do PIB per capita – um fenômeno nunca antes experimentado em escala globalen.wikipedia.org.

Segunda Revolução Industrial (c. 1870–1914)

Segunda Revolução Industrial refere-se ao novo ciclo de inovações surgido no final do século XIX e início do XX, marcado pelo progresso em eletricidade, comunicações, motores de combustão interna e indústrias químicas. Este período viu a introdução da iluminação elétrica e do motor elétrico, do telefone e telégrafo, dos automóveis e do uso intensivo de petróleo e aço na indústria – transformando radicalmente a infraestrutura econômica. O epicentro da liderança tecnológica deslocou-se em parte do Reino Unido para Estados Unidos e Alemanha, que despontaram como potências industriais emergentesen.wikipedia.org. Essa difusão da tecnologia para novas regiões ampliou a base global de produção e levou a aumentos adicionais na renda per capita mundial.

Em termos quantitativos, a era 1870–1914 presenciou uma aceleração adicional do crescimento econômico global em comparação à fase industrial inicial. Estimativas históricas sugerem que a taxa de crescimento do PIB per capita mundial aproximou-se ou superou 1% ao ano no período 1870–1913, aproximadamente o dobro do ritmo de 1820–1870. Embora tenha havido variações e crises (por exemplo, a Longa Depressão na década de 1870), a tendência de longo prazo foi positiva. Nos países líderes, o impacto foi espetacular: os EUA, por exemplo, multiplicaram sua renda per capita diversas vezes entre a Guerra Civil e a Primeira Guerra Mundial. Como apontou o economista Robert Gordon, os cem anos de 1870 a 1970 foram um período singular de progresso tecnológico e crescimento da produtividade, que elevou enormemente os padrões de vida nos países avançadossciencedirect.com. Esse impulso acabou puxando a média global para cima, apesar de ainda haver grandes disparidades regionais (a chamada “Grande Divergência” entre economias industrializadas e o restante do mundo).

O fim abrupto desse ciclo dinâmico veio com choques sociopolíticos – a Primeira Guerra Mundial (1914–1918) e a pandemia de gripe de 1918, seguidos pela Grande Depressão (anos 1930) e a Segunda Guerra Mundial (1939–1945). Esses eventos interromperam temporariamente o crescimento econômico em diversas regiões, chegando a provocar retrocessos na renda per capita de alguns países. Globalmente, a primeira metade do século XX foi volátil, com períodos de retração que compensaram parte dos ganhos anteriores. Ainda assim, ao término da Segunda Revolução Industrial e antes da Primeira Guerra, o mundo já atingira um patamar de renda per capita muito superior à era pré-industrial – marcando um salto permanente no nível médio de renda, sustentado pelas inovações disruptivas daquele ciclo tecnológico.

Era do Petróleo e da Produção em Massa (c. 1945–1973)

Após a Segunda Guerra Mundial, a economia mundial ingressou em um período de expansão extraordinária, frequentemente chamado de “Idade de Ouro” do crescimento econômico. Esse período, aproximadamente de 1945 a 1973, foi impulsionado por um conjunto de inovações e fatores tecnológicos: a ampla disponibilidade de energia barata do petróleo, a difusão em massa do automóvel e do transporte rodoviário, a produção industrial em escala (linha de montagem fordista madura), além do início da eletrônica e da aviação comercial. Sobretudo, as décadas de 1950 e 1960 viram a consolidação de tecnologias da Segunda Revolução Industrial e a incorporação inicial de novos avanços (como petroquímica, eletrodomésticos, início da computação) a um contexto econômico favorável – reconstrução do pós-guerra, integração comercial (GATT) e políticas macroeconômicas keynesianas que sustentaram a demanda.

Os resultados macroeconômicos foram notáveis. Entre 1950 e 1973, o PIB per capita mundial cresceu em média 2,9% ao ano – a taxa mais alta já registrada em um período multi-decadal. Essa velocidade de crescimento significa que a renda média global quase triplicou em menos de uma geração. Maddison denomina esse período de 1950-73 de “idade de ouro” do crescimento devido à sua excepcionalidade histórica. Como comparação ilustrativa, no pós-guerra (1950–2008) a renda per capita mundial quadruplicou, ao passo que antes disso teria levado muitos séculos para um aumento proporcional. De fato, estimativas indicam que seria necessário quase um milênio (1000–2000 d.C.) para um aumento de 15 vezes na renda média mundial, ao passo que somente seis décadas (1950–2008) bastaram para um aumento de 4 vezes. Esses números enfatizam quão excepcional foi o boom do pós-guerra em relação ao lento crescimento de eras anteriores.

Dois desenvolvimentos de base tecnológica ajudam a explicar tamanha expansão: primeiro, o barateamento e abundância de energia fóssil (petróleo) forneceu insumos baratos para transporte, eletricidade e indústria, elevando a produtividade global em todos os setores. Segundo, a padronização produtiva e ganhos de escala – possibilitados por inovações organizacionais (produção em massa, gerenciamento científico) e pela difusão de máquinas-ferramenta e equipamentos – reduziram custos unitários e tornaram bens de consumo acessíveis mundialmente. Adicionalmente, esse período viu a transferência e adaptação de tecnologias industriais a países em desenvolvimento, inaugurando a industrialização de economias emergentes (por exemplo, o início dos “Tigres Asiáticos”). Como consequência, o crescimento não ficou restrito aos países ricos: grandes economias como o Japão (reconstruído) e a União Soviética também registraram crescimento acelerado, contribuindo para elevar a média global. Ao final dessa era, por volta de 1973, o nível de vida médio global atingia um patamar sem precedentes – o PIB per capita mundial era mais de oito vezes superior ao de 1820 – graças ao conjunto de inovações energéticas, industriais e organizacionais desencadeadas desde a Revolução Industrial e amplificadas no pós-guerra.

Era Digital (c. 1970s–2020)

A partir dos anos 1970, a economia mundial entrou em um novo paradigma tecnológico: a Era Digital, marcada pela emergência das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Iniciada com a expansão dos computadores, semicondutores e, posteriormente, das redes de internet e telefonia móvel, essa revolução digital transformou processos produtivos, cadeias de suprimento e modelos de negócio em escala global. Embora o início dessa era tenha coincidido com choques econômicos negativos (as crises do petróleo de 1973 e 1979) e com uma desaceleração no crescimento das economias avançadas – o que temporariamente reduziu a média global de crescimento em relação ao auge anterior – o impacto de longo prazo da digitalização mostrou-se significativo nas décadas seguintes.

Um aspecto intrigante é que, durante os anos 1980 e início dos 1990, o avanço rápido da computação não se refletiu imediatamente nas estatísticas de produtividade, fenômeno apelidado de “paradoxo de Solow”. No entanto, conforme as TIC se disseminaram e se integraram aos processos empresariais, especialmente a partir de meados dos anos 1990, observou-se uma retomada do crescimento de produtividade em economias líderesfrbsf.org. Nos EUA, por exemplo, o crescimento da produtividade do trabalho acelerou entre 1995-2005 em grande medida graças a investimentos em hardware, software e eficiência nas cadeias logísticas possibilitados pela internetcepr.org. Globalmente, a penetração da internet e da telefonia móvel expandiu-se do zero nos anos 1990 para virtualmente todos os países nas décadas seguintessciencedirect.com. Essa difusão ampla permitiu ganhos de eficiência mesmo em economias emergentes, reduzindo custos de comunicação, integrando mercados e ampliando o acesso à informação.

Como resultado, o PIB per capita mundial continuou a crescer de forma robusta na Era Digital. Embora em ritmo ligeiramente inferior ao do pós-guerra, a renda média global manteve tendência ascendente. Entre 1973 e 2000, por exemplo, o crescimento per capita global médio ficou em torno de 1,5–2% ao ano (estimativas), ritmo que ainda dobrou a renda mundial em cerca de 35–40 anos. Uma dinâmica importante desse período foi a convergência de grandes países populosos antes pobres (notadamente China, Índia, Indonésia) para níveis maiores de renda, em parte via absorção de tecnologias já maduras. O caso da China é ilustrativo: após 1978, com reformas de mercado e importação de know-how industrial, a renda per capita chinesa multiplicou-se em 6 vezes em apenas 30 anos (1978–2008), algo comparável a séculos de estagnação anterior. Esse crescimento acelerado de economias emergentes contribuiu significativamente para elevar a renda média global nas últimas décadas. De fato, a proporção da população mundial em pobreza extrema despencou de mais de 40% em 1981 para cerca de 11% em 2013, reflexo do aumento generalizado de renda e produtividade (embora análises de pobreza e distribuição fujam do escopo principal deste relatório).

Um indicador do impacto das tecnologias digitais é a expansão do setor da economia digital (bens e serviços de TIC) dentro do PIB global. Em 2016, estimativas apontavam que a “economia digital” representava já 15,5% do PIB mundial, ou cerca de US$11,5 trilhões, tendo crescido a uma taxa mais do que duas vezes superior à do PIB global na década anteriorimf.org. Projeções sugerem que essa fatia pode chegar a ~25% até meados da década de 2020www2.deloitte.com. Ou seja, as inovações digitais tornaram-se um motor importante do crescimento agregado, seja via aumento da produtividade multifatorial em setores tradicionais (automação, otimização via software) seja via criação de novos mercados e produtos (economia de plataformas, comércio eletrônico, etc.). Em suma, a Era Digital consolidou os ganhos das revoluções industriais anteriores e inaugurou novas oportunidades de crescimento, levando a renda per capita mundial em 2020 a patamares sem precedentes. Mesmo com a desaceleração observada em alguns países desenvolvidos no pós-2008, o panorama global de longo prazo é de clara elevação do padrão de vida médio, graças em grande parte ao impacto das tecnologias digitais e à difusão do conhecimento.

Foco Especial: O Ciclo Atual de Inovação – Era da Inteligência Artificial

Entrando na década de 2020, muitos analistas identificam a Inteligência Artificial (IA) como o núcleo de um novo ciclo de inovação tecnológica de alcance potencialmente transformador. A IA – em especial a subárea de aprendizado de máquina (machine learning) e, mais recentemente, os modelos de IA generativa – habilita máquinas a realizar tarefas cognitivas antes restritas a humanos, desde reconhecimento de padrões complexos até composição de conteúdo. Por suas características, a IA é frequentemente comparada a um “tecnologia de uso geral” (General Purpose Technology), análoga à eletricidade ou ao motor a vapor, pois tem aplicações transversais na economia e capacidade de impulsionar inovações complementaresmitsloan.mit.edu. Diferentemente de algumas tecnologias do passado, porém, a IA moderna se difunde com rapidez por meio de software e da internet – o que sugere que seu impacto econômico pode manifestar-se mais rapidamente do que revoluções anterioresmitsloan.mit.edu.

Tendências emergentes: Nos últimos anos, investimentos massivos em IA têm ocorrido em setores como tecnologia da informação, finanças, saúde, manufatura e logística. Grandes empresas de tecnologia disputam a liderança no desenvolvimento de frameworks de IA e APIs (por exemplo, em assistentes virtuais, sistemas de recomendação e modelos de linguagem de grande porte). Ao mesmo tempo, startups proliferam propondo soluções de IA sob medida para ganhos de eficiência em diversas indústrias – da otimização de cadeias de suprimento à detecção precoce de doenças. Indicadores de adoção apontam que mais de 50% das grandes empresas globais já utilizam alguma forma de IA em seus negócios, e essa proporção cresce a cada ano (dados de consultorias). Além disso, governos de dezenas de países lançaram estratégias nacionais de IA visando fomentar pesquisa, qualificação de mão de obra e infraestrutura digital, reconhecendo o potencial transformador dessa tecnologia.

Impactos na produtividade agregada: Embora a contribuição plena da IA ao crescimento ainda esteja no início, projeções econométricas e estudos prospectivos indicam ganhos substanciais na produtividade e no PIB nas próximas décadas. O Fundo Monetário Internacional (IMF) estima que a difusão da IA pode adicionar aproximadamente 0,5 ponto percentual ao crescimento anual do PIB mundial entre 2025 e 2030weforum.org – um impacto significativo, dado que o crescimento global per capita tende a oscilar na faixa de 2–3% ao ano. De forma semelhante, uma análise do Goldman Sachs Research projeta que ferramentas de IA generativa (como os chatbots avançados) poderiam elevar o nível do PIB global em ~7% adicional ao longo de uma década, ao aumentar a produtividade do trabalho – equivalendo a cerca de US$7 trilhões adicionados à economia mundialgoldmansachs.com. Esse estudo sugere também um incremento potencial de 1,5 ponto percentual na taxa de crescimento anual da produtividade nos países que adotarem amplamente a IAgoldmansachs.com. Consultorias privadas apresentam estimativas ainda mais otimistas: por exemplo, a PwC calcula que a IA pode elevar o PIB global de 2030 em 14% acima do cenário base (o equivalente a US$15,7 trilhõesextras)pwc.com. A Tabela 1 resume algumas projeções de referência para o impacto econômico da IA até 2030-2040.

Estimativa/EstudoHorizonte TemporalImpacto Projetado da IA na Economia Global
PwC (2018) – “Sizing the Prize”pwc.comAté 2030PIB global até 14% maior (≈ +US$15 trilhões) devido à IA
Goldman Sachs (Briggs & Kodnani, 2023)goldmansachs.comPróximos ~10 anos+7% no nível do PIB global (≈ +US$7 tri); +1,5 pp na produtividade anual
FMI (2025) – World Economic Outlookweforum.org2025–2030+0,5 ponto percentual no crescimento anual do PIB mundial

Tabela 1. Projeções selecionadas do impacto macroeconômico da Inteligência Artificial. (pp = pontos percentuais; PIB em dólares atuais).

É importante notar que existe uma variância considerável entre as projeções, refletindo incertezas quanto à velocidade de adoção da IA, difusão para setores tradicionais e possíveis obstáculos (regulação, escassez de habilidades etc.). Ainda assim, o consenso emergente é que a IA constitui um vetor de crescimento econômico não trivial, possivelmente comparável às grandes inovações do passado em termos de alcance. Setores intensivos em informação – como serviços financeiros, saúde, educação, marketing e TI empresarial – deverão experimentar os ganhos mais imediatos, com IA automatizando tarefas rotineiras, melhorando diagnósticos e personalizando serviços em escalagoldmansachs.com. Por exemplo, algoritmos de machine learning já aumentam a eficiência de diagnósticos médicos e detecção de fraudes financeiras, enquanto sistemas de recomendação e chatbots estão aumentando a produtividade no comércio e atendimento ao cliente. Estimativas setoriais sugerem que somente a aplicação de IA generativa pode elevar em 0,1 a 0,6 ponto percentual ao ano o crescimento da produtividade laboral até 2040 nas economias avançadas, dependendo do grau de adoçãomckinsey.com.

Além do impulso direto ao PIB, a IA traz efeitos qualitativos relevantes. Historicamente, temia-se que a automação em larga escala causasse desemprego em massa – um receio presente desde os “Luditas” no século XIX. Contudo, até agora, as revoluções tecnológicas não resultaram em desemprego líquido de longo prazo, pois novos setores e ocupações emergiram para absorver a força de trabalho deslocadagoldmansachs.com. Evidências históricas indicam que mais de 85% do crescimento do emprego nos últimos 80 anos nos EUA provém do surgimento de ocupações antes inexistentes (por ex., desenvolvedores de software, designers web, analistas de dados) criadas por avanços tecnológicosgoldmansachs.com. No caso da IA, espera-se um padrão semelhante: muitas tarefas serão automatizadas, mas novas funções e indústrias surgirão em torno da economia digital e dos serviços habilitados por IA. Com isso, a IA pode aumentar a eficiência econômica (fazer mais com menos recursos) ao mesmo tempo em que expande mercados existentes e cria outros inteiramente novos, tal como outras inovações transformadoras fizeram no passado (por exemplo, o automóvel criou as indústrias de turismo de massa, subúrbios, shopping centers, etc.).

Em síntese, a Era da Inteligência Artificial, embora ainda inicial, apresenta os ingredientes de um novo ciclo de inovação de alcance global. Se os ganhos de produtividade projetados se confirmarem, a IA poderá impulsionar um novo salto da renda per capita mundial nas próximas décadas, ampliando ainda mais o patamar de prosperidade média. Evidentemente, a realização desse potencial exigirá enfrentar desafios – desde a requalificação da força de trabalho até a garantia de que os benefícios da IA sejam amplamente difundidos. Contudo, do ponto de vista estritamente econômico e quantitativo, a IA desponta como o principal vetor tecnológico de crescimento futuro, com capacidade de elevar significativamente a trajetória de PIB per capita global até 2040 e além.

Mecanismos Econômicos: Como Inovação e Empreendedorismo Impulsionam a Produtividade

A análise histórica dos ciclos tecnológicos revela padrões recorrentes nos mecanismos econômicos através dos quais a inovação e a atividade empreendedora elevam a produtividade, a eficiência e, em última instância, a renda média. Nesta seção, sintetizamos os principais mecanismos identificados:

  • Aumento da Produtividade do Trabalho e do Capital: Cada revolução tecnológica introduziu ferramentas ou processos que permitiram produzir mais output com a mesma quantidade de insumos. Por exemplo, a máquina a vapor multiplicou a capacidade de trabalho de um operário fabril; a eletrificação possibilitou linhas de montagem eficientes operando 24 horas; os computadores automatizaram cálculos e controles em escala impossível manualmente. Esses avanços elevam o produto por trabalhador (ou por hora trabalhada) – métrica central da produtividade – e/ou a produtividade do capital (maior produção por unidade de capital investido). Na ótica do modelo de Solow, a inovação se manifesta como progresso tecnológico (às vezes captado pelo residual de Solowou produtividade total dos fatores), que foi responsável pela maior parte do crescimento de longo prazo pós-Industrial Revolution. Empiricamente, períodos de maior avanço tecnológico correspondem a acelerações na produtividade: por exemplo, quase 60% do crescimento da produtividade dos EUA no final da década de 1990 foi atribuído a aportes da tecnologia da informaçãodocuments1.worldbank.org. A produtividade mais alta significa custos médios menores e maior renda gerada por trabalhador, o que se traduz em maior renda per capita quando difundido pela economia.
  • Eficiências de Escala e Redução de Custos: Inovações frequentemente abrem oportunidades de economias de escala e redução de custos unitários. A produção em massa de bens padronizados (viabilizada por máquinas e energia barata) reduziu drasticamente o custo de bens manufaturados no século XX, tornando-os acessíveis a um público amplo e expandindo o mercado consumidor. De modo análogo, inovações logísticas e de comunicação (telefone, TI, internet) reduziram os custos de transação e coordenação em nível global, permitindo cadeias de suprimento just-in-time e operações empresariais mais eficientes. Essas reduções de custos liberam recursos que podem ser investidos em outras áreas, além de diminuir os preços para os consumidores – elevando o bem-estar real. Em todos os grandes ciclos, a atividade empreendedora foi crucial para capitalizar essas eficiências: empreendedores reorganizaram processos produtivos (e.g., Henry Ford e a linha de montagem), inovaram em modelos de negócio (e.g., varejo on-line na era digital) e descobriram formas de explorar novas tecnologias de forma lucrativa, convertendo potenciais ganhos teóricos em reduções de custo efetivas na economia.
  • Criação de Novos Mercados e Expansão da Demanda: Grandes inovações tecnológicas não apenas melhoram processos existentes, mas também geram produtos inteiramente novos e mercados antes inexistentes. A introdução da ferrovia criou a possibilidade de um mercado nacional integrado de bens perecíveis; a invenção do automóvel inaugurou as indústrias de turismo rodoviário, subúrbios residenciais e logística rodoviária; a internet possibilitou comércio eletrônico global, mídias sociais e economia do conhecimento. Cada novo setor ou produto bem-sucedido representa novas fontes de receita, novos empregos e novas formas de utilidade para os consumidores, aumentando tanto o PIB quanto o bem-estar. Importa ressaltar o papel do empreendedor em identificar e desenvolver aplicações comerciais para as invenções: sem empresários visionários, invenções poderiam ficar restritas a laboratórios. Foi a atividade empreendedora que, por exemplo, transformou a invenção do transistor em uma indústria global de eletrônicos de consumo, ou os avanços da computação em serviços massificados de software e Internet. Assim, a inovação impulsiona o crescimento não apenas via eficiência, mas também via inovação de produto e diversificação econômica, evitando rendimentos decrescentes e saturação de demanda.
  • Difusão Tecnológica e Efeito Multiplicador: Para impactar a renda média global, uma inovação precisa se disseminar amplamente além de seu local de origem, permeando diversos setores e regiões. Os ganhos iniciais alcançados por um inventor ou empresa pioneira multiplicam-se quando outros agentes adotam a tecnologia – muitas vezes adaptando-a e aperfeiçoando-a. Esse processo de difusão foi evidente em todos os ciclos: a máquina a vapor se espalhou da indústria têxtil para transporte e mineração; a eletricidade penetrou em fábricas, residências e escritórios; o computador, inicialmente restrito a centros de pesquisa, tornou-se onipresente em todas as empresas. Conforme a tecnologia se dissemina, seus custos caem, graças a efeitos de aprendizado e escala, o que por sua vez acelera a adoção – um ciclo virtuoso. Políticas públicas, infraestrutura e comércio internacional têm papel facilitador aqui: e.g., a padronização de corrente elétrica e investimentos em redes elétricas foram essenciais para colher os benefícios da eletrificação em massa. Da mesma forma, a globalização econômica acelerou a difusão tecnológica no século XX, permitindo que países adotassem inovações líderes (ver o caso da Revolução Verde na agricultura, ou da telefonia móvel saltando direto para celulares em países emergentes). A difusão tecnológica ampla eleva a produtividade média mundial, reduz disparidades de produtividade e contribui para o convergência de renda entre países (quando combinada a outros fatores), elevando a renda per capita global agregada.
  • Destruição Criativa e Realocação Eficiente de Recursos: O processo schumpeteriano implica que inovações tornam obsoletas indústrias e métodos antigos, liberando recursos (trabalho, capital) que eventualmente são realocados para setores emergentes mais produtivos. Embora haja custos de transição no curto prazo (fábricas fechando, empregos sendo deslocados), no longo prazo essa realocação aumenta a eficiência agregada da economia. Por exemplo, a mecanização agrícola no século XX reduziu drasticamente o emprego no campo, mas liberou mão de obra para indústrias urbanas mais produtivas – aumentando o PIB per capita e diversificando a estrutura econômica. Similarmente, a automação industrial e, agora, a automação via IA eliminam certas tarefas rotineiras, mas permitem que o trabalho humano seja reorientado para funções de maior valor agregado (supervisão, criação, interação complexa) e que surjam novas categorias de emprego. Estudos históricos mostram que a maior parte do crescimento do emprego líquido provém de ocupações que não existiam antes da inovação tecnológica correspondentegoldmansachs.com. Em resumo, a destruição criativa, ao renovar continuamente a estrutura produtiva, eleva a fronteira de produtividade e sustenta o crescimento de longo prazo. O empreendedorismo é o agente catalisador dessa dinâmica – novos entrantes desafiam incumbentes com ideias inovadoras, e o mercado realoca recursos para os usos mais eficientes ao longo do tempo.

Em conjunto, esses mecanismos explicam como a inovação tecnológica impulsionada pelo empreendedorismo se traduz em crescimento econômico. Cada ciclo tecnológico vitorioso elevou a produtividade e expandiu a economia mundial por meio de um mix dos fatores acima. Por exemplo, na Era Digital, vimos simultaneamente ganhos de eficiência (automação de processos), criação de mercados (aplicativos móveis, economia do software) e destruição criativa (declínio de empresas não adaptadas, ascensão de startups), resultando em crescimento contínuo do PIB per capita global. Vale enfatizar que aspectos institucionais e de política econômica podem acelerar ou frear esses mecanismos. Ambientes favoráveis à concorrência, educação e P&D tendem a potencializar o impacto positivo da inovação na renda per capita, ao passo que obstáculos como monopólios duradouros ou resistência à adoção tecnológica podem limitar os ganhos agregados.

Implicações Finais e Projeções

A retrospectiva histórica permite identificar padrões marcantes e tirar lições sobre o futuro da renda per capita global na era da Inteligência Artificial. Primeiro, a experiência sugere que grandes saltos na renda média ocorrem quando tecnologias paradigmáticas atingem massa crítica de difusão, desencadeando aumentos substanciais de produtividade. Foi assim com a máquina a vapor e ferrovias no século XIX, com a eletricidade e produção em massa no início do século XX, e com as TIC no final do XX. No caso da IA, se ela de fato se configurar como a próxima tecnologia de uso geral, é plausível esperar um período de transição seguido por um novo surto de crescimento quando a tecnologia estiver plenamente integrada nos processos produtivos globais. Carlota Perez argumenta que cada revolução tecnológica passa por um período turbulento de instalação (com bolhas financeiras, realocações) seguido de uma era de ouro de difusão e benefícios amplosstratechery.comproject-syndicate.org. Alguns sinais – como a explosão de investimentos em IA e valorizações elevadas de empresas do setor – indicam que estamos possivelmente na fase inicial de instalação dessa nova revolução. Maximizar o salto de produtividade vindouro exigirá políticas e instituições alinhadas, tal como ocorreu no pós-guerra com o Fordismo e no pós-1990 com a globalização digital.

Segundo, a história demonstra a importância do empreendedorismo e da flexibilidade econômica para converter inovação em ganhos de renda per capita. Nações e períodos que acolheram a destruição criativa e facilitaram a realocação de recursos colhem crescimento mais robusto. Isso sugere que, para aproveitar plenamente a IA, os formuladores de políticas devem promover a educação e requalificação da força de trabalho, incentivar startups e P&D, e atualizar regulações que porventura impeçam a difusão tecnológica (garantindo simultaneamente proteção social na transição). Governos, empresas e sociedade civil precisarão colaborar para mitigar os efeitos colaterais (como desemprego setorial temporário, riscos éticos da IA, etc.) sem suprimir a inovação. A recompensa potencial é elevada: projeções otimistas veem a IA possibilitando um novo “milagre de produtividade” similar ao do quarto de século glorioso pós-1950 – embora possivelmente em ritmo mais moderado e prolongadoweforum.org.

Terceiro, do ponto de vista quantitativo, podemos esboçar cenários para a renda per capita global nas próximas décadas. Suponha que o PIB per capita mundial atual seja indexado como 100 em 2025. Com um crescimento tendencial de, digamos, ~2% ao ano (mantendo o padrão recente) e adicionando o impulso extra de 0,5 pp da IA previsto pelo FMIweforum.org, teríamos um crescimento anual de ~2,5%. Nessa trajetória, em 15 anos (2040) a renda per capita global estaria ~45% maior que em 2025. Em um cenário mais otimista alinhado à Goldman Sachs (crescimento adicional de ~1,5 pp graças à IA)goldmansachs.com, o crescimento anual poderia chegar a ~3,5%, o que implicaria virtualmente dobrar a renda média global até 2040. Para contextualizar, isso significaria tirar proveito pleno das inovações de IA a ponto de replicar em 15 anos o mesmo fator de aumento que o mundo experimentou entre 2000 e 2020. Embora tais projeções devam ser tomadas com cautela, elas ilustram o potencial de a IA catalisar um novo salto histórico na prosperidade média.

Por fim, um aspecto encorajador é que cada onda tecnológica tem alcançado uma parcela humana maior que a anterior. Na época da Revolução Industrial, apenas uma fração da população mundial – principalmente na Europa e América do Norte – se beneficiou inicialmente dos ganhos de renda, com outras regiões ficando para trás por muito tempo (a chamada Grande Divergência). Já a difusão das tecnologias do século XX gradualmente incluiu grandes economias asiáticas, levando a uma convergência parcial. Hoje, a conectividade digital está muito mais democratizada globalmente, o que sugere que a IA poderá se difundir internacionalmente mais rápido, potencialmente reduzindo lacunas e elevando a média global de forma mais uniforme. Em outras palavras, a próxima revolução pode ter um caráter verdadeiramente global em sua adoção, ampliando o impacto na renda média mundial.

Em síntese, padrões históricos indicam que a inovação tecnológica tem sido o principal motor dos aumentos na renda per capita mundial, e não há indícios de que isso vá mudar. A Inteligência Artificial, ao automatizar tarefas cognitivas e criar possibilidades antes inimagináveis, insere-se nessa continuidade como potencial propulsora de um novo patamar de riqueza global. Se os desenvolvimentos seguirem o curso esperado – com investimentos, ajustes institucionais e difusão ampla – é razoável conjecturar que o mundo poderá vivenciar um novo ciclo de crescimento acelerado na renda média, reforçando a trajetória ascendente iniciada há dois séculos. Tal perspectiva, contudo, dependerá das escolhas de hoje: aproveitar o “dividendo da inovação” da IA requer visão estratégica e preparação, tal como sociedades do passado precisaram se adaptar para colher os frutos das revoluções tecnológicas de seu tempo. A história econômica global, em última instância, é uma história de ondas de inovação e de como as utilizamos para impulsionar a prosperidade – a era da IA promete ser o próximo capítulo dessa narrativa.

Referências Bibliográficas

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  • World Bank. (2016). World Development Report: Digital Dividends. Washington, DC: World Bank. imf.org
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