Por que as fusões e aquisições falham?

Um insucesso emblemático no mundo das fusões & aquisições, ocorrido aqui no Brasil há mais de 30 anos, teve na fase de integração um dos seus principais motivos

Embora ninguém tenha vindo a público até hoje para assumir formalmente, quem viveu os bastidores do setor automotivo no final dos anos 1980 sabe muito bem que o fim prematuro da Autolatina não se deveu apenas à má aceitação dos modelos gerados naquele histórico casamento.

Com diferentes visões sobre o que deveria ser o carro ideal – a ponto de conceberem, respectivamente, modelos repletos de diferenças em suas trajetórias individuais – Ford e Volkswagen tinham em seus currículos feitos invejáveis, sem dúvida.

O primeiro criou a linha de montagem, sob a égide de seu visionário fundador; enquanto o segundo projetou um carro para quebrar o galho durante a Segunda Grande Guerra, mas que acabaria se transformando em unanimidade mundial por várias décadas. 

Enfim, tudo indicava se tratar de um conto de fadas, de tão perfeito.

Mas que nada! O ponto crucial para a parceria malograr, apenas oito anos depois de sua formação, foram não apenas questões mercadológicas, conforme garante quem viu tudo aquilo mais de perto, mas concepções profundamente arraigadas até mesmo na forma de trabalhar com EDI – Electronic Data Interchange, uma espécie de esperanto para que se fale a mesma língua nos departamentos de informática e logística, tanto de montadoras, quanto das fábricas de autopeças.

Cada qual tinha seu jeito todo próprio de trabalhar e esse antagonismo entre as duas corporações eclodiria bem longe das mesas de reuniões onde o negócio bilionário foi decidido: o velho e bom dia a dia, com suas rotinas, fluxos, hierarquias e normas.

Se àquela época já se soubesse o que hoje se sabe sobre M&A (Mergers and Acquisitions ou Fusões e Aquisições), as coisas provavelmente seriam bem diferentes nesta parte fundamental do processo, pois já está mais que provado o quanto a perfeita integração faz toda a diferença em transações assim.

Quem não se comunica …

Para não se “trumbicar”, como diria o saudoso Velho Guerreiro, os especialistas em M&A deixam clara a necessidade de que, na medida do possível, tudo aconteça às claras, já no dia seguinte ao fechamento do negócio.

Interrogações povoando as cabeças de colaboradores, fornecedores e clientes são no mínimo contraproducentes nestas horas.

E dependendo do produto ou serviço da empresa em questão, boatos chegando ao consumidor certamente em nada ajudarão também no bom desempenho da marca num futuro bem próximo.

Ou seja, no decorrer de todo o processo de fusão ou aquisição, todos os stakeholders precisam ser tratados dentro da máxima transparência.

Só assim poderão se engajar no assunto e até ter orgulho de fazer parte dele, em substituição a sentimentos como insegurança e, em casos extremos, um leve e disfarçado desejo de que as coisas não avancem, em nome da manutenção da zona de conforto “deles e nossa”.

Alinhando Culturas

Já se sabe também que o efeito de qualquer discurso que se faça em torno de uma fusão ou aquisição depende em grande parte do exemplo dado pelos líderes, cuja conduta esperada é a de unir as equipes em torno de valores que cabe a eles próprios praticar e, principalmente, difundir.

Mas a experiência geral envolvendo M&A mostra que 40% dos gerentes vão embora nos primeiros dois anos após duas empresas unirem suas histórias, uma preocupante perda de talentos provocada por dificuldades de adaptação ao se trabalhar mediante uma nova cultura, mesclando e passando a limpo as originais.

Quando se misturam formas diferentes de pensar e agir dentro de uma organização, fatalmente ocorrem perdas e ganhos de lado a lado, e encontrar o meio termo para seguir em frente nem sempre é tarefa das mais simples.

Um ambiente corporativo extremamente desejável num momento assim é aquele em que os formadores de uma terceira e nova cultura, a ser vivenciada em comum, sintam-se motivados a criar; reconheçam as novas perspectivas e tenham entusiasmo frente à possibilidade de ampliar seus próprios horizontes profissionais, inclusive no que tange à maturidade de se relacionar com seus novos líderes e colegas.

Para que isso ocorra, é fundamental que exista na organização a habilidade de captar as sinergias entre os negócios, a fim de maximizar o valor a ser gerado pela união de ambos, de acordo com o mapeamento que sempre deve feito antes de cada fusão.

Assim, o diagnóstico cultural certeiro na etapa preliminar, envolvendo as duas empresas, é igualmente recomendável, pois possibilita a identificação de seus respectivos pontos fortes, desafios, assim como os talentos adequados e a melhor maneira de encontrá-los no mercado de trabalho.

Estrutura

Além da equipe de comunicação, cujos objetivos já foram frisados, é muito importante para o êxito da integração pós-fusão a definição de um Integration Management Officer (IMO), figura globalmente definida como aquela à qual cabe liderar esse momento altamente estratégico para as duas companhias.

Nesta estrutura básica se inclui o Comitê de Integração, comumente composto por diretores incumbidos de participar do planejamento de toda essa operação, bem como revisá-la sempre que necessário, e ainda acompanhar sua execução.

Contar com o apoio de bons softwares de M&A costuma facilitar significativamente o cumprimento dessas tarefas.

Benchmarking

Mesmo diante de tantos desafios e a possibilidade sempre presente de as coisas não correrem exatamente como se esperava – Volks e Ford que o digam.

Isso, contudo, não deve servir de desculpa para fugir de um casamento corporativo promissor, isto é, quando os interessados na união de suas forças reconhecem indícios suficientes de que uma nova fase, agora escrita a dois, terá muito mais sucesso.

Um caso típico de que M&A pode ser uma fonte gigantesca de êxito pode ser vista na Disney, que de 1993 para cá já adquiriu mais de 10 empresas, com a maioria delas hoje apresentando valor de mercado triplicado.

Conclusão

Por mais que M&A seja hoje uma verdadeira ciência, enriquecida pelos exemplos de sucesso ou fracasso acumulados ao longo dos anos, além de constituir um pré-requisito para que organizações prolonguem sua existência e êxito, o ser humano representa um fator decisivo para que as coisas deem certo.

Apenas motivado e identificando sentido no que a empresa faz, bem como do seu real papel no cumprimento dessa missão, é que vem à tona a dose de resiliência essencial para se assimilar e ser colaborativo diante das inúmeras novidades que virão pela frente, mas nunca desprezando o lado bom que ainda brilha no retrovisor.

É a partir das pessoas que aspectos como aderência cultural, liderança, talento e boa-vontade se multiplicam e, portanto, elas merecem ser levadas em conta de forma intensiva, quando se espera uma fusão ou aquisição que possa realmente ser considerada vencedora.