Quem atua na contabilidade brasileira certamente já ouviu falar nas entidades congraçadas do setor. Elas reúnem desde profissionais diplomados na área até empresas atuantes neste mercado, a exemplo de segmentos correlatos como a auditoria.
Mas como podem concorrentes no dia a dia unir forças e lutar por seus objetivos maiores, sobretudo junto aos poderes legislativo e executivo?
Bem, a resposta é simples: para ter mais força no encaminhamento dos seus pleitos mais significativos.
Realmente, são muitos os exemplos de sucesso em empreitadas aparentemente impossíveis que se tornaram reais após eventos, idas a Brasília e ações orquestradas na mídia, por meio da ação igualmente conjunta das assessorias de imprensa de cada entidade participante.
Um claro exemplo disso ocorreu em 2004, quando uma certa Medida Provisória. editada pelo governo federal, só não foi adiante graças à união de concorrentes que olharam bem adiante dos seus próprios negócios.
A MP 232 visava compensar as perdas de arrecadação com a correção de 10% da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física – aquela que se mantém defasada até hoje -, a partir de 2005, o que aparentemente beneficiaria os contribuintes.
Aparentemente, pois aumentaria bastante a carga tributária dos prestadores de serviços, além de afetar indiretamente comércio e indústria, em virtude do elevado índice de mão de obra terceirizada já existente naquele momento.
No fim, os próprios consumidores pagariam mais por tudo que comprassem, pois o repasse aos preços seria inevitável.
Conclusão: parecia claro que ninguém ganharia com a MP 232 se ela vingasse, exceto o Tesouro Nacional.
Derrubá-la acabou sendo tarefa da sociedade organizada, que no caso do empreendedorismo, tem sua voz representada por sindicatos setoriais, associações, federações e afins.
O barulho foi tanto, que o governo resolveu tirar a MP da pauta do Congresso Nacional, de tão certa que parecia sua derrota numa possível votação.
Caso semelhante envolveu o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, que tributava todas as operações feitas por meio de instituições financeiras
Criada pela gestão Fernando Henrique Cardoso, em 1996, a tributação de 0,38% sobre todo depósito e retirada visava melhorar a saúde brasileira, mas acabou tendo sua finalidade visivelmente desvirtuada.
Nove anos depois, ela ganharia sobrevida pelo menos até 2011, caso o próprio Senado não tirasse o projeto de sua pauta.
O fiel da balança novamente foi o grande barulho feito por “concorrentes” em tese.
Não seria diferente em 2006, quando um projeto prevendo aumento de até 700% no ISS – Imposto Sobre Serviços, apelidado X-Tudo, pois também aumentaria o IPTU e outros tributos do Município de São Paulo, caiu por terra em decorrência da mesma união entre empresários que, teoricamente, jamais poderiam se unir.
Mas como conviver com o “inimigo” no dia a dia?
A melhor forma de responder é frisar bem a importância das aspas acima.
A tendência crescente das fusões e alianças estratégicas no segmento contábil estão aí para corroborar tal ideia, incluindo a absorção de demandas excedentes, para não deixar a clientela na mão em momentos críticos.
Mas quando o namoro entre as organizações não se transforma em casamento, entidades como o SESCON (Sindicato das Empresas Contábeis e de Assessoramento) demonstram claramente ser viável a convivência pacífica, ética e proveitosa até mesmo entre quem disputa o mesmo mercado.
São inúmeras as palestras, grupos de trabalho, seminários e conferências – inclusive a distância, como pede o momento atual –ajudando os escritórios contábeis de vários portes e perfis espalhados pelo país a cortar caminho em sua busca cotidiana por maior competitividade.
Nesses encontros, repletos de concorrentes, dividem-se ideias, conhecimentos, fornecedores, parcerias, métodos de trabalho e, sobretudo, a proatividade diante das tendências do setor que requeiram agilidade para evitar a adoção de estratégias equivocadas em momentos igualmente inoportunos.
Com relação à profissão contábil de uma forma geral, isto é, incluindo os contadores que ainda não optaram por ter o seu próprio negócio, os Sindicatos e as Federações, assim como os Conselhos Regionais (CRCs), cumprem função importante, desta vez fazendo a diferença na vida de quem almeja, muitas vezes, os mesmos empregadores.
Contudo, atingir essas metas, cujos efeitos em cada empresa ou profissional associado tende a surgir em médio prazo, pressupõe muito mais que a mera inscrição e o pagamento de mensalidades.
O principal trabalho em toda essa movimentação voltado ao sucesso de uma categoria possui caráter voluntário, ao envolver primordialmente a doação de ideias e tempo.
Princípios do Associativismo
Segundo Ênio Meinen (2014), existem sete princípios básicos na vida associativa, um conceito que acabou se arraigando fortemente neste campo. São eles:
1 – Adesão voluntária e livre;
2 – Gestão democrática pelos sócios;
3 – Participação econômica dos sócios;
4 – Autonomia e independência;
5 – Educação, formação e informação;
6 – Cooperação entre associações/cooperativas;
7 – Interesse pela comunidade.
Estímulo às mudanças positivas
O escritório contábil que já realizou alguma atividade de benchmarking sabe perfeitamente que muitas vezes a concorrência já pode tê-la livrado do fracasso em várias situações.
A definição da atividade já diz tudo: “processo de avaliação da empresa em relação à concorrência, por meio do qual incorpora os melhores desempenhos de outras firmas e/ou aperfeiçoa os seus próprios métodos”.
Não foi à toa que o fundador do Wal-Mart, Sam Walton, se tornou um marco, em função de hábitos como o de sair de loja em loja pelo varejo americano, com seu famoso boné, anotando na prancheta de que forma seus concorrentes trabalhavam.
Mas não é apenas essa, digamos, utilidade da concorrência que justifica a importância de a tratarmos com ética.
Até mesmo porque agir de forma diferente já se demonstrou o chamado tiro no pé, uma vez que fatalmente transmite ao mercado a imagem de competição desleal.
Leve também em conta que seu escritório contábil pode ser amanhã o principal parceiro estratégico de um antigo concorrente mortal.
A própria economia brasileira está repleta de exemplos assim, face ao aspecto positivo inerente à concorrência.
Haja vista o ocorrido após a abertura do mercado para os carros importados e a privatização das telecomunicações, num país onde um prosaico telefone fixo já foi tão raro e caro a ponto de figurar entre os bens do contribuinte em sua declaração de renda.
Portanto, se o seu sonho de consumo, em matéria de comunicação e convívio com a concorrência, se restringe ao desejo de enviar condolências quando ele sair do mercado, cuidado. Você e seu escritório contábil podem estar perdendo excelentes oportunidades de negócios