Como você já percebeu, a comunicação é um fator crítico de sucesso para desenvolvimento de equipes de alto desempenho no escritório de contabilidade, conforme expliquei neste artigo:
Neste artigo explicarei a metodologia prática para aplicar estes conceitos na sua empresa de contabilidade.
Os escritórios de contabilidade no Brasil
Dados do Conselho Federal de Contabilidade indicam que havia 71.606 organizações contábeis em atividade no Brasil em 31 de agosto de 2020.
O Mapa do Empreendedorismo na Contabilidade 2020, publicado por Roberto Dias Duarte, demonstra dados e tendências relevantes para o setor, com margem de erro, ou intervalo de confiança de 4%, indicando que os resultados da pesquisa refletem as opiniões reais da população total, com um nível de confiança de 95%.
Metade dos escritórios de contabilidade contava, em junho deste ano, com até cinco empregados. No outro extremo, 20% deles tinham mais de 320. Ou seja, o mercado é composto por pequenas empresas.
Ainda assim, quando perguntados sobre quais são as prioridades para os próximos 12 meses, os empresários do setor apontaram temas relacionados direta ou indiretamente com o desenvolvimento de equipes de alta performance, como:
- 62% querem aumentar a produtividade da empresa
- 56% pretendem melhorar o atendimento a clientes
- 48% têm a intenção de aumentar a capacitação das equipes
- 40% buscam melhorar a experiência do cliente
- 36% querem aumentar a capacitação gerencial da liderança
- 34% tencionam desenvolver o engajamento dos colaboradores
Por este motivo, adaptamos algumas metodologias para o desenvolvimento de equipes de alta perfomance para empresas do setor de contabilidade.
Metodologia proposta
A metodologia para o desenvolvimento de equipes de alta performance em escritórios de contabilidade é fundamentada na pesquisa de PENTLAND sobre comunicação. Adicionamos também conceitos Ikigai, propósito, ou razão de existir, explorados por ALMEIDA e SINEK.
Para implementação metodológica, adotamos as técnicas de mapeamento de experiências, definição de persona e proposta de valor, além das técnicas de atendimento a clientes propostas pelo Disney Institute, OSTERWALDER, LOEFFLER e KALBACH.
Ikigai
É uma palavra de origem japonesa, sem tradução específica para a língua portuguesa. Ikigai combina as palavras ikiru (viver) e kai (a realização do que se espera). Essas definições criam o conceito de “uma razão para viver” ou a ideia de ter um propósito na vida.
A figura abaixo resume os concentos de Ikigai descritos por ALMEIDA:
Círculo de Ouro
O Círculo de Ouro, detalhado por SINEK, nos ajuda a compreender as razões pelas quais fazemos o que fazemos, fornecendo evidências convincentes do quanto nós podemos alcançar ao nos lembrarmos de começar perguntando o por quê.
O Círculo de Ouro é um gráfico que indica, do centro para fora: o por quê, o como e o quê:
Para a empresa, equipes e colaboradores devem descobrir o seu porquê, a comunicação deve fluir de dentro para fora do círculo. Primeiro, entende-se o porquê fazer, depois o como fazer e, por fim, o que fazer.
Para SINEK, esta é a fórmula para inspirar as pessoas e fazer com que tomem atitudes. Mais ainda, é um dos maiores fatores de diferenciação no mercado, porque as pessoas não compram o que você faz, mas o porquê você faz.
Persona e proposta de valor
Uma técnica fundamental e muito importante para avançar em qualquer ação de marketing é “desenhar” o persona para entender quais são as tarefas (rotina diária) – sejam elas funcionais, de uso dos serviços contábeis, emocionais e sociais; seus desejos e dores.
Definir o persona é a estratégia inicial , tanto para o processo de vendas, quanto para o de atendimento (pós-vendas). Conhecer e definir o perfil dos seus clientes permite direcionar as ações de atendimento, melhorando a experiência dos clientes.
Segundo Osterwalder, “o perfil segmentado do cliente descreve um segmento específico em seu modelo de negócio de maneira mais estruturada. Mostra os interesses do cliente nas respectivas tarefas, dores e ganhos”.
Então, é importante utilizar os dados coletados de forma produtiva para que toda ação e tomada de decisão sejam direcionadas àquele perfil.
O mapa de valor, por sua vez, descreve os aspectos de uma proposta de valor específica em seu modelo de negócio, de forma mais estruturada e detalhada. Ele divide sua proposta de valor em produtos e serviços (em torno dos quais uma proposta de valor é construída), analgésicos (descrevem como seus produtos e serviços aliviam as dores do cliente) e criadores de ganhos (descrevem como seus produtos e serviços criam ganhos para o cliente).
O próximo passo é entender a proposta de valor, quais os produtos você oferece ao seu cliente, quais são os “analgésicos” para resolver os problemas dele.
Da mesma forma, deve-se pensar assim para as “alegrias” do cliente. Usar o que você fornece para aumentar aquilo que já o agrada. Você consegue o encaixe quando seu Mapa de Valor coincide com o perfil do cliente. Quando seus produtos e serviços produzem analgésicos e criadores de ganhos importantes para seu cliente.
Um exemplo aplicação prática
Um escritório de contabilidade no qual aplicamos a metodologia foi fundado há mais de 30 anos e trabalham cerca de 30 colaboradores, divididos em quatro departamentos: contábil, fiscal, trabalhista (DP) e paralegal.
Eles atendem a cerca de 150 clientes. A margem operacional da empresa é de 40%. Durante o primeiro semestre de 2020, conquistou 15 novos clientes. O escritório de contabilidade mantém seus processos auditados e certificados conforme as normas ISO. Enfim, os números financeiros indicam que a empresa é próspera.
Contudo, os sócios relataram que problemas operacionais estão ocorrendo com frequência, ocasionando desgaste com os clientes e multas tributárias. Informaram também que as equipes estavam apáticas e vários colaboradores tornaram-se extremamente resistentes às mudanças.
Cabe ressaltar que os avanços tecnológicos ocorrem de forma acelerada no setor, conduzindo os players a um processo de transformação digital veloz. Tecnologias de automação de processos, sistemas de gestão empresarial em nuvem e até mesmo inteligência artificial têm promovido uma mudança no processo produtivo e no atendimento aos clientes. Contudo, os colaboradores do escritório de contabilidade em estudo parecem alheios e resistentes às inovações.
Investigando as causas da resistência a inovações
O primeiro passo foi realizar um diagnóstico da situação com base nos conceitos acima referidos. Para tanto, realizei um workshop investigativo por meio de vídeoconferência e do sistema Mentimeter (https://www.mentimeter.com).
O Mentimeter permite que cada pessoa responda anonimamente, em seu próprio telefone celular, às perguntas realizadas pelo facilitador. As respostas do grupo são projetadas como “nuvem de palavras” em tela projetada durante a apresentação.
A análise das respostas coletadas indica claramente uma desconexão do Ikigai de muitos membros da equipe. As palavras mais frequentes da pergunta “o que você ama fazer” e “o que você faz bem feito” não têm relação com as repostas dos questionamentos “o que você é pago para fazer” e “o que seu cliente precisa de você”.
A questão principal relacionada com o Círculo de Ouro, “por que sua empresa existe” apresentou grande dispersão nas respostas. Entretanto, em entrevista com os fundadores do escritório, foi possível identificar que o propósito pessoal e profissional deles é contribuir com a prosperidade das famílias das empresas que eles atendem, sejam elas dos sócios ou dos colaboradores.
A descoberta do propósito (razão de existir) da empresa ocorreu em uma entrevista onde os fundadores contaram, de forma estimulada, sua história de vida e como, no decorrer do crescimento da empresa, eles puderam ajudar seus clientes na superação de dificuldades financeiras ou no alcance da prosperidade.
Mudança de modelo mental
Os desafios ficaram claros, e o plano para transformação do modelo mental (mindset) dos colaboradores foi definido:
- Conectar o propósito pessoal dos colaboradores ao da empresa
- Melhorar a comunicação interna de forma
- Criar empatia das equipes com relação aos clientes
- Desenvolver as soft skills das equipes
- Estimular as equipes na busca de soluções inovadoras para os problemas operacionais
Assim, após o dignóstico, foram realizados workshops com as equipes, atribuindo as seguinte tarefas:
- Análise do persona dos colaboradores das empresas-clientes que eles atendem. O objetivo desta tarefa é estimular a comunicação interna do grupo, bem como a empatia com os clientes.
- Análise da proposta de valor de cada departamento. Com isso, as equipes poderão compreender que há soluções inovadoras para os diversos problemas operacionais que vêm ocorrendo. Além disso, poderão compreender melhor que o propósito do escritório de contabilidade não é calcular impostos e cumprir obrigações legais (isto é “o que fazer”).
- Desenvolvimento por meio de conceituação e estímulo à observação de exemplos de soft skills, como:
- Inteligência emocional: autoconhecimento, motivação, empatia, sociabilidade, autocontrole;
- Trabalho em equipe
- Growth Mindset
- Abertura para feedback
- Adaptabilidade
- Escuta ativa
- Ética profissional
4. Análise dos erros dos clientes e planejamento de ações preventivas para evitar que eles continuem ocorrendo. Essa análise é feita para cada departamento, por meio de reuniões semanais, onde as soluções de novos processos ou tecnologias, para evitar os erros dos clientes, são priorizadas (por custo/benefício/prazo). Além disso, nestas reuniões a situação da implantação das soluções é apresentada à diretoria.
5. Reuniões de desenvolvimento profissional com duração de uma hora por semana, no seguinte formato:
- Diretoria reforça valores e propósito da empresa com exemplos de casos reais
- Um colaborador apresenta um conceito de soft skill e exemplos práticos
- Um departamento apresenta uma solução preventiva para erros dos clientes
- Um colaborador apresenta um tema técnico relevante para o momento.
6. Reuniões gerenciais táticas. Os líderes de cada departamento apresentam para a diretoria os seus resultados, analisando indicadores em quatro dimensões: financeira, clientes, processos e aprendizado/desenvolvimento. Os principais indicadores de resultados são descritos na tabela abaixo. Cada líder apresenta para os demais os números do mês e o acumulado do ano. Se alguma meta não é cumprida, o líder apresenta uma análise de fato e causas, bem como um plano de ação para convergir o indicador com a meta.
Financeiros | Processos | Clientes | Aprendizado | |
Contábil | Custo por documento processado | % entregas no prazo; % retrabalho | % atendimento no prazo; NPS | Quantidade de horas de capacitação |
Fiscal | Custo por documento processado | % entregas no prazo; % retrabalho | % atendimento no prazo; NPS | Quantidade de horas de capacitação |
DP | Custo por vida processada | % entregas no prazo; % retrabalho | % atendimento no prazo; NPS | Quantidade de horas de capacitação |
Paralegal | Custo por processo | % entregas no prazo; % retrabalho | % atendimento no prazo; NPS | Quantidade de horas de capacitação |
Conclusão: como fazer tudo isso no seu escritório de contabilidade?
A pergunta neste ponto é: uma vez que reconhecenos que preciso melhorar a energia, envolvimento e exploração, como fazer isto acontecer?
Abordagens simples, como reorganizar o espaço do escritório e locais de trabalho, são eficazes.
Assim como dar um exemplo pessoal – quando o próprio gerente incentiva ativamente até mesmo a participação e conduz mais comunicação face a face. Mudanças de política também podem melhorar as equipes.
Em alguns casos, trocar membros da equipe e trazer sangue novo pode ser a melhor maneira de melhorar a energia e o envolvimento da equipe, embora geralmente isso é desnecessário.
A maioria das pessoas, com um bom feedback, pode aprender a interromper menos, ou a encarar outras pessoas, ou a ouvir mais ativamente.
A formação de equipes é de fato uma ciência, mas é jovem e está em evolução. Agora que foi possível estabelecer padrões de comunicação como a coisa mais importante a medir ao avaliar a eficácia de um grupo, pode-ser começar a refinar os dados e processos para criar medições mais sofisticadas, aprofundar a análise e desenvolver novas ferramentas que aprimoram nossa visão de tipos de membros da equipe e tipos de equipe.
Em termos profissionais, um dos principais desafios do mercado de serviços de contabilidade é “como melhorar a produtividade das equipes dos escritórios de contabilidade”.
Em geral, os fundadores e gestores dos escritórios de contabilidade buscam soluções puramente tecnológicas e metodológicas para endereçar este desafio.
Implantam tecnologias sofisticadas como Robotic Process Automation (RPA), sistemas de gestão integrada (ERP), sistema de controle de tarefas e processos, revisam e padronizam processos, iniciam programas de melhoria da qualidade, entre outras iniciativas.
A primeira etapa do processo de desenvolvimento de equipes de alto desempenho consiste em realizar um diagnóstico de crenças e valores do grupo, bem como o nível de comunicação interna e externa.
Após o diagnóstico, as equipes devem trabalhar para analisar o perfil dos clientes que eles atendem buscando identificar dores, alegrias e tarefas do cotidiano deles.
O desafio é melhorar o engajamento e a energia na comunicação da equipe. Além de estimular a exploração de conhecimentos extra-grupo. Por fim, a liderança dos escritórios de contabilidade devem desenvolver soft skills dos colaboradores.
A pesquisa de Pentland tornou evidente que estas medidas racionais podem se tornar ineficazes caso as empresas não atuem fortemente na melhoria da comunicação estimulando um ambiente com mais energia, engajamento e exploração.
Enfim, para construir equipes de alta performance é preciso liderá-las com inteligência lógica, racional, mas sobretudo com inteligência emocional.
Bibliografia
Pentland, A. The New Science of Building Great Teams. Harvard Business Review. Brighton, Massachusetts: Harvard Business Publishing. 2012.
DIAS DUARTE, R. Mapa do Empreendedorismo na Contabilidade 2020. Belo Horizonte: Ideas@Work, 2020
SINEK, S.; MEAD, D; DOCKER, P.Encontre seu porquê. 1ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
SINEK, S. Comece pelo porquê. 1ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.
LOEFFLER, B; CHURCH, B. The Experience, The 5 Principles of Disney Service and Relationship Excellence. 1st ed. United States of America: Wiley, 2015.
KALBACH, J. Mapeamento de Experiências. 1ª ed. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017.
Disney Institute; O jeito Disney de encantar os clientes. 1ª ed. São Paulo, 2011.
ALMEIDA, E. O poder do propósito: como viver com mais sentido e potencializar resultados por meio do Método Ikigai. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Voo, 2019.
OSTERWALDER, A.; PIGNEUR, Y. Business Model Generation (John Wiley & Sons, Eds.). 278 p. New Jersey – USA, 2010.
OSTERWALDER, A. Value Proposition Design: How to Create Products and Services Customers Want (Strategyzer). Wiley, 2014.